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Cinéfilos Anónimos: dezembro 2006

Cinéfilos Anónimos

sábado, dezembro 30, 2006

Cinema de 2006 - Um ano para recordar?

(...continuação)

OS 5 MELHORES FILMES DE 2006

1. Brokeback Mountain (Ang Lee)

Penso que, ao desfrutar desta obra, estamos perante uma harmonização perfeita entre a imagem, a música e (tarefa difícil!) o conteúdo e temáticas que aborda. Talvez arrisque em afirmar que este filme pode definir o que o cinema parece constituir: é simultaneamente uma obra de arte, um momento de entretenimento e um mote integrado para a reflexão e para o debate. Pensamos que a sua qualidade se pauta – para além da excelência das performances dos actores e dos restantes técnicos implicados na sua realização – pela profundidade, maturidade e consequência com a qual se propõe o argumento.

2. Match Point (Woody Allen)

Não fossem, à partida, os créditos de realização motivo suficiente para se tratar de uma obra merecedora de imediata consideração e expectativa, Woody Allen faz questão de ir mais longe, num filme de 2006, que se adivinha de sempre: presenteia-nos não só com a sua reinvenção enquanto autor, mas principalmente com uma visão que tem tanto de desconcertante como de desconstrutiva, num thriller subtil e alucinante, sobre paixão, obsessão e o papel da sorte enraizadamente atribuído às decisões que fazemos ao longo da vida. Com efeito, pisa um terreno escorregadio ao dissecar e –pretensamente – reduzir um episódio de adultério e excessos a uma pura e quase imaculada questão de sorte. Enfatizo, porém, o carácter aparente desta premissa e suposta redução – se olharmos bem de perto, Woody Allen oferece uma reflexão profunda acerca das dualidades que povoam a sociedade actual, expondo a ironia presente na polissemia inerente ao conceito contemporâneo de felicidade; é uma dissertação despretensiosa acerca do poder de escolha, questionando os limites que o ser humano (em toda a sua fragilidade) está disposto a transpor para manter a ilusão da felicidade e a segurança que a parece definir. Confronta, assim, a aspiração de uma existência passiva e sólida que suplanta, impreterivelmente, quaisquer desejos e vontades, com o desvario de uma obsessão.

3. Breakfast on Pluto (Neil Jordan)

Constituindo, provavelmente, um dos filmes mais negligenciados do ano – nomeadamente relativamente à performance do actor Cillian Murphy, atingindo uma maturidade e excelência indiscutíveis -, Breakfast on Pluto apresenta-se-nos como uma espécie de conto de fadas de tempos mais actuais, enfatizando as provações e a alienação impostas pela conotação atribuída ao conceito transsexualidade, embora com uma subtileza simultaneamente enternecedora e angustiante. Com efeito, assistimos, ao longo da película, à desconstrução da imagem de vítima geralmente atribuída, sem, porém, nunca a negar nem deixar de a sugerir, apresentando um honesto manifesto acerca do que é a verdadeira (auto)aceitação do que significa ser “diferente” – a constante alternação de ambientes e estados excêntricos e crus, deixa antever um outsider em permanente procura do seu auto-conhecimento e da definição e reconhecimento da sua individualidade. A universalidade e imperativa extrapolação residem, com efeito, na abordagem sofrida e de uma inocência que desmascara o verdadeiro motivo da busca do protagonista – a necessidade premente da sua totalização enquanto indivíduo.

4. V de Vingança (James Mc Teigue)

Apesar de se tratar da adaptação cinematográfica de uma banda desenhada e de toda a expectação inerente ao facto de ter tido a colaboração dos conhecidos irmãos Wachowski no que concerne ao argumento, a obra ganha em não só não se limitar à abordagem “super-herói” que, geralmente caracteriza este tipo de obras, como também revoluciona esse conceito. Acresce a este risco consciente e intencionalmente tomado o poder de subverter os papéis (e.g., bom vs mau) – e ou confundi-los para os reorganizar – e inverter todo e qualquer pré-conceito que possamos ter desenvolvido a esse respeito. No seguimento desta ideia, a máscara aparece como um meio de universalizar intentos – desconstruindo a ideia de que há moralidade no terrorismo – e de privilegiar a magnitude das crenças, das motivações e dos ideais (à prova de bala!). O filme propõe uma ilustração de extrema acuidade, ainda que metafórica, no que respeita ao que define a actualidade contemporânea, o real e o socialmente partilhado. Apresentando referências evidentes a episódios da história mundial, aborda-os no tempo presente e com vista ao futuro, já que, independentemente da data, os ideais se mantêm.

5. Walk the line (Jack Mangold)

Não obstante (ou talvez precisamente por) tratar-se de uma obra biográfica (que poderia salvaguardar o facto de não se apresentar como surpreendente ou inovador), o filme oferece a mais valia de integrar de forma quase perfeita o contributo da realidade – fazendo evidência da importância das vivências ao longo da vida, dos comportamentos, dos seus significados e das suas consequências –, das aspirações e expectativas, da vertente musical da vida do cantor – oferecendo uma banda sonora vibrante, sincera e de qualidade certificada pelo sucesso obtido – e do sempre sensibilizador pendor romântico que une estes protagonistas do palco e da vida.

Menção Honrosa: Transamerica (Duncan Tucker)

Brincando com as palavras, é, de facto, honroso ser capaz de abordar uma temática que requer, simultaneamente, sensibilidade e maturidade com a atenção que podemos experienciar e adivinhar, ao visualizar Transamerica. Efectivamente, este salienta a vivência emocional de experiências, dúvidas, receios e legitimidades universais – apesar do mundo teimar em fazer delas “diferentes” e “desviantes” – indo bem mais além dos discursos feitos e socialmente veiculados sem crítica ou cuidado (e menos esforço por isso). Salienta-se, principalmente, a sublime e completa interpretação de Felicity Huffman no papel de protagonista, cuja maturidade e humanidade, permitem a elaboração de um retrato verosímil e sensibilizador, tocando uma realidade que se nos apresenta, quase sempre, tão distante.


Posto isto, abrimos o espaço à discussão, esperamos as vossas sugestões e impressões e despedimo-nos com os votos de um excelente 2007!

Aspirante e Whisper

Cinema em 2006 - um ano para Esquecer?

Porque a época do ano assim apela e obriga, propomo-nos ao cálculo do saldo que os produtos cinematográficos – estreados em território nacional no ano de 2006 (que agora se prepara para findar) – nos deixará recordar. Salvaguarde-se o facto de esta se tratar de uma selecção apenas sustentada por critérios pessoais (e, por isso, discutíveis) e baseada somente nos filmes que tivemos a oportunidade de ver.

Assim, passando ao que aqui nos traz, argumentaremos a selecção dos 5 Melhores Filmes e das 5 Desilusões de 2006 - com respectivas menções (des)honrosas, para ambos os casos.

Fá-lo-emos, portanto, em partes distintas, começando por:

AS 5 Maiores Desilusões de 2006

1. A Dália Negra (Brian de Palma)

Efectivamente, a principal desilusão reside na fraca performance de um elenco de luxo e no incipiente aprofundamento da história, limitando-se à superficialidade da narrativa. Deve apresentar-se a devida ressalva, igualmente, à negligência com a qual é (ou não é) tratada a personagem da Dália Negra bem como a fuga, no que diz respeito ao argumento, à reflexão significada através de discursos caros, eruditos e lacunares.

2. King Kong (Peter Jackson)

Tratando-se já de uma obra consagrada da história do cinema, este remake, apresentado em 2006, obriga è reflexão em torno da desejabilidade, da eficácia e/ou mesmo dos objectivos deste processo que pretende a optimização de algo já consensualmente avaliado como obra de arte e cuja época de realização constituía critério de enquadramento da sua qualidade. Assim, esperava-se que o (novo) King Kong fizesse jus à evolução à qual temos presenciado – e cuja campanha prometia evidenciar, designadamente ao nível dos efeitos especiais, bem como o nome de Peter Jackson no cartaz exponenciava. Todavia, considera-se que a evolução técnica se sobrepôs ao sentido crítico, tendo sido elevado o valor dos efeitos especiais em detrimento do conteúdo e/ou relevância temática.

3. Munique (Steven Spielberg)

Apresentando, provavelmente, uma das escolhas mais questionáveis desta lista, justificamos, em parte, esta opção com as elevadas expectativas que foram criadas relativamente a esta obra, não só motivadas pelo realizador que a assina – Steven Spielberg num registo algo diferente do que nos tinha habituado nos últimos anos, recuperando a sua incursão em filmes baseados em factos históricos relevantes, desde a reconhecida Lista de Shindler -, como também, e principalmente, pela premissa que era, à partida, apresentada. Com efeito, com o propósito de sugerir uma reflexão e uma visão imparciais acerca dos limites que definem o patriotismo que no-lo permitem distinguir de puro terrorismo e do carácter difuso dessa avaliação – pelos conflitos das visões, percepções, ideais e interesses, dos diferentes lados em confronto -, o filme dispersa-se em aspectos formais que o levam a descentrar-se das vertentes social, histórica e politicamente relevantes.

4. Código da Vinci (Ron Howard)

Ao contrário do que seria de esperar, a replicação audiovisual de um dos maiores best-sellers da actualidade parece ter resultado num redondo fracasso. Curiosamente, na tela – mesmo contando com um elenco prometedor – a narrativa perde acção, perde o ritmo e a consequência que, capítulo a capítulo, o livro oferecia. Para além disso, o filme não resiste à tentação de privilegiar o superficial, não abordando nenhuma reflexão (que era desejável e, achamos nós, esperada) ao nível da temática que fazem desta uma obra polémica.

5. História de Violencia (David Cronenberg)

Talvez a maior desilusão que este filme constitui seja o facto de ser passível de se reduzir ao seu título. Não obstante pretender apresentar um enredo surpreendente, pouco mais oferece do que, precisamente, violência. A película parece apostar na fusão daqueles que podemos considerar serem os valores tradicionais – respeito, família, dignidade, … – com trechos agressivos e pouco claros, sem se ocupar da reflexão e análise da sua possível coexistência na vida e na sociedade. O que fica da sua visualização é o retrato perturbador de uma família, sem que consigamos daqui retirar a estrutura e significado dos seus comportamentos.

Menção (des)honrosa - A Lula e a Baleia (Noah Baumbach)

Prometia abordar a temática da crise familiar que, por se caracterizar pela complexidade e pela polémica, apresentava um desafio que suscitava a curiosidade de todos. Na nossa opinião, a película enquadra nesta categoria – desilusão – pelo esforço inglório dos seus pensadores, uma vez que parece anunciar questões de múltiplas naturezas, sem que se veja desenvolvida nenhuma delas. Isto é, limita-se a mostrar os problemas – nunca lhes dando resposta nem aprofundando consequências – optando por alertar através do “choque” que a realidade pode causar ao espectador, o que poderia ter resultado não fora ficar-se somente por esta superficial estratégia.


Continua...

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Capote

Realizado por Bennet Miller e apresentado em 2005, Capote é um filme biográfico acerca do escritor Truman Capote (Philip Seymour Hoffman) e do processo de escrita do livro “A sangue frio” (“In cold blood”) que o tornou celebre por ser o primeiro do género por si inaugurado – romance de não-ficção. Centrado na história do assassinato de uma família natural de Holcomb (Kansas), o enredo do livro guia o protagonista para o estabelecimento de uma relação pessoal, que se torna próxima e até íntima (mesmo que esta não seja uma questão explorada extensivamente na película), com um dos assassinos – Perry Smith (Clifton Collins Jr.) – com o qual mantém longas entrevistas. Como quase sempre acontece, à medida que as emoções vão enublando a razão, Capote oscila entre o seu objectivo – com a frieza, ambição e determinação que o caracterizam – e a identificação com aquele Homem, estendendo a “passadeira vermelha” às suas dúvidas e inseguranças.

Se tivesse que escolher uma palavra que definisse a personagem tenderia a caracterizá-lo de “excêntrico”! Todavia, no momento em que terminasse de a pronunciar, talvez começassem a emergir as arrependidas “duro”, “oportunista” e “frio”. Não perdendo mais tempo com esta guerra de palavras que travo contra mim mesma, passo a salientar a excelente contribuição do actor Philip Seymour Hoffman – galardoado pela academia – e a primazia que é dada à análise das interacções entre as personagens – que permite a exposição da futilidade que a ribalta implica, que oferece um outro ponto de vista sobre o crime e que reflecte sobre a desumanidade do homem e a humanidade (?) de um assassino.

Ainda merecedor de menção, apresenta-se o facto de, ao longo do filme, o espectador ser introduzido a alguns traços menos comuns da personalidade do autor, ao carácter de competitividade e ciúme que caracteriza as suas relações (bem como à necessidade imperativa de reconhecimento) – patente de forma muito notória na sua interacção com Harper Lee (Catherine Keener), conceituada escritora e amiga de Capote, que experimentava o sucesso pelo lançamento do seu livro “To kill a mochinbird” – e às consequências dessa “sede de sucesso” que, sem olhar a meios, fazem parecer legítimas as utilização e usurpação da realidade à qual o ser humano está condenado. No que respeita, ainda, à gestão dos seus afectos (já apresentada como impasse ao império da razão) salienta-se o papel central que a forte semelhança entre as histórias de escritor e entrevistado e a inevitável identificação entre ambos exerce no processo de construção da(s) sua(s) identidade(s) e no resultado do mesmo, mostrando que a distância entre vivências pode ser determinante para a integração e aceitação social dos indivíduos.

Deixando (e esperando) espaço a comentários (outros e de outra natureza), termino com uma reflexão que é feita na obra – talvez esta seja a história de dois homens iguais que, a dada altura da vida, escolheram sair por portas diferentes.


sábado, dezembro 23, 2006

Filmes de Natal

Bem, chegou aquela época do ano, não? A época das prendas, da alegria, das crianças, da família, do S. Nicolau, do presépio, das rabanadas e filhós, do bacalhau com todos e do peru assado, … Claro está, também a época das noites frias, onde só nos apetece recostar num sofá quentinho, mergulhar nos cobertores e/ou nos que nos são queridos e assistir a um ou dois ou mais filmes. Entre os inequívocos e outras propostas mais pessoais, aqui vai a minha humilde selecção:


S. O. S. Fantasmas (Scrooged, 1988)

Realizado por:
Richard Donner

Gostaria de iniciar com um meus favoritos… de sempre. Mais de uma década antes de ser redescoberto enquanto ícone art house, Bill Murray andava pela ressaca do Saturday Night Live, laborando personagens agridoces em comédias tresmalhadas. Esta é talvez a mais tresmalhada de todas. Murray arrasa (sem meias palavras) como Frank Cross, um executivo televisivo sem dó nem piedade, embrulhado na produção de uma adaptação televisiva do “Conto de Natal”, enquanto é ele próprio visitado por três (mais uma) entidades étereas. Mais do que uma revisitação pós-moderna do clássico de Dickens, ou uma comédia fantástica específica dos anos 1980, “S. O. S. Fantasmas” é um todo-o-terreno, abrangendo uma panóplia de registos cinematográficos, desde o profano ao sagrado, da angústia existencial ao trágico-cómico, do ridículo ao melodrama, da loucura ao romance, e escorreito como poucos. O protagonista brilha em grande, sintetizando o próprio espírito do filme, anárquico mas com sentido, caricatural mas com sensibilidade – ver para crer. E Karen Allen é adorável.


Feliz Natal (Joyeux Noël, 2005)

Realizado por:
Christian Carion

Em 1914, na eclosão da guerra mais sangrenta de todos os tempos, três frentes de combate cessam as hostilidades e, na noite da Consoada, partilham da sua humanidade. Candidato ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro na última edição dos prémios da Academia Americana, “Feliz Natal” foi feito para ser visto nesta quadra. Uma super-produção europeia centrada na I Guerra Mundial, a obra transpira por todos os poros a esperança e o amor, cristalizando na sua essência toda a autenticidade cristã do Natal. Ainda mais, inspirada em factos verídicos, é daquelas obras que nos enche a alma e nos dá mais vontade de acreditar na condição humana.


Do Céu Caiu Uma Estrela (It's a Wonderful Life, 1946)

Realizado por:
Frank Capra


Não podia faltar. James Stewart protagoniza a história intemporal realizada por Frank Capra, como um bancário falido e em vias de suícidio, visitado pelo seu Anjo da Guarda na véspera de Natal. O clássico indiscutível da Consoada, uma examinação existencialista sobre o verdadeiro significado da vida humana, da preciosidade do indivíduo, do seu percurso e valor para os demais (mesmo que não auto-reconhecido). Raras foram as vezes que o cinema conseguiu atingir patamar tão elevado, quase histórico, contribuindo a uma mensagem tão poderosa quanto universal, e sucessivamente redescoberta pelas novas gerações. Ironicamente, um filme incompreendido no seu tempo, hoje resistindo por si próprio, pelo que é, sinónimo de grandeza narrativa, à margem de qualquer tendência ou revolução.


O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas, 1993)

Realizado por:
Henry Selick

Sinfonia louca, lúgubre e irresistível, “O Estranho Mundo de Jack” (Skellington, o anti-herói protagonista, que se propõe oferecer uma versão hallowenesca do Natal) é a definição de obra de culto por excelência. Fruto da conjugação de forças dos mestres Henry Selick (suporte stop motion), Danny Elfman (banda sonora) e, claro, Tim Burton (conceptualização artística), “O Estranho Mundo de Jack” é a alternativa mais delirante aos filmes familiares da quadra. Quase como que um negativo, o reverso da medalha do espírito natalício, tão apaixonante como inebriante, e que só pode mesmo ser um dos musicais mais viciantes de sempre.


E. T. (E.T. the Extra-Terrestrial, 1982)

Realizado por:
Steven Spielberg

Não propriamente um filme centrado no Natal, mas talvez o filme familiar mais popular de todos os tempos, ficando bem a qualquer sessão cinematográfica que reúna os miúdos e graúdos. A história é por demais conhecida: uma criatura mirrada é deixada abandonada nos subúrbios americanos para ser salvaguardada por um rapaz de dez anos. Spielberg estabelece o derradeiro vínculo emocional com o lado infantil de todos nós, suspendendo o nosso cepticismo adulto e permitindo-nos vibrar e sonhar com a mais bonita história de amizade que o cinema moderno nos brindou.