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Cinéfilos Anónimos: Falar sobre cinema

Cinéfilos Anónimos

domingo, março 22, 2009

Falar sobre cinema

O realizador português António Pedro Vasconcelos foi entrevistado num programa da RTP2 (17 de Fevereiro de 2009, 23h30).

Descreveu-se como “um homem das Letras e das Artes” que oscilava entre “um lado depressivo e um lado eufórico, vital”. Referiu que, tendo abandonado o curso superior de Direito (uma herança familiar), “começou pela Literatura”, embora antecipasse que a optar pelo investimento neste domínio, alimentaria o seu “lado depressivo”. Assim, nas palavras do realizador, foi o cinema que lhe “deu o lado vital”, explicando que “o cinema convive com as pessoas (…) não filmamos sozinhos, apesar de estarmos sós (…) na literatura vivemos absolutamente solitários”.
Quando “descobriu” que a sua vida profissional passaria obrigatoriamente pelo cinema, beneficiando de uma bolsa de formação por parte da Fundação Calouste Gulbenkian, viajou para Paris onde frequentou o curso superior de Filmografia. Descreveu que, num período de 2 anos, viu mais de 2000 filmes.

Confesso que não reconhecia o realizador, apenas conhecia o comentador desportivo. Durante a entrevista, foram algumas as expressões que me surpreenderam e/ou captaram a atenção. Não assegurando total fidelidade às reais palavras do cineasta (porque entre a recordação e a evocação há pormenores que se vão perdendo), gostaria de transcrever alguns momentos – sem o intuito de reforçar ou contrapor, mas antes de nos fazer falar sobre cinema.

[a propósito da literatura e do cinema]
“Descobri a literatura antes do cinema e ainda hoje, se tivesse que salvar, salvava o livro (…) a literatura é um milagre: criar emoções com sinais pretos dispostos numa folha branca (…) mas emociono-me mais com o cinema”.

[a propósito da comparação entre o público dos filmes de A.P. Vasconcelos e Manoel de Oliveira, sugerida pelo entrevistador]
“Não é possível comparar. Há maus filmes com público mas não creio que haja bons filmes sem público (…) Não há cinema sem público”.

[a propósito da crítica de cinema portuguesa]
“A crítica, em Portugal, não existe. (…) Um bom crítico deveria ir atrás das emoções e comentar em consonância com o que sente”.

[a propósito dos ingredientes de uma obra-prima]
“Ainda hoje me questiono acerca das razões que fazem de “E tudo o vento levou” o filme que é (…) acho que é porque cada personagem tem o que merece”.

[a propósito da provocação do entrevistador, na qual este sugeria que, se os filmes fossem todos justos se afastariam da realidade]
“os grandes cineastas são os que escrevem direito [referindo-se à justiça] por linhas tortas [referindo-se à realidade]”.

[a propósito do sucesso do filme “O lugar do Morto” (1984)]
“Não esperava tanto sucesso de um filme que sofreu tantas vicissitudes (…) a explicação que me foram apresentando prendeu-se com o facto dos espectadores considerarem que foi o primeiro filme português a ser um filme normal”

Ficam os pontos de partida:
Como caracterizariam a crítica sobre cinema que é feita em Portugal?
Que poder tem o público sobre o cinema? Que proporções entre a aceitação do público e a construção técnica de um filme?
Na vossa opinião, o que faz de um filme uma obra-prima?
Livro vs Filme – o que salvariam?

5 Comments:

  • Eu creio que o homem foi feito para criticar, seja cinema ou outra coisa qualqer, todos nós somos críticos e a verdade é que se critica da mesma forma lá fora, como se critica em Portugal.

    Quanto ao poder do público, admitamos, ninguém faz cinema por amor à arte, todos estão no negócio pela fama, pelo gosto e pelo dinheiro, por isso sim, o público manda no que lhes apresentam e talvez seja por isso que se vê coisas tão más. Falar em contruçao técnica num filme português é para rir.. certo?!

    Muitos bons filmes ficaram sem público, porque será?

    Acho que o que faz um bom filme é a visão de um bom realizador. Um bom realizador consegue fazer uma obra prima, com a Anglina Jolie, como actriz principal, sm que com isso seja reconhecido. Um filme como muitos que já formam feitos, até óscar para melhor argumento adaptado recebe...

    Posso dizer que o marketing também dirige o gosto do público?! Mas aí o filme já está feito... certo?

    Salvaria os dois.. não existe filme sem literatura(livro) e o filme é a visualização da palavra escrita. Sempre que alguém ler um livro, irá realizar um filme na sua cabeça... é impossível não o fazer.

    Bem, é a minha opinião resumida...

    Bons filmes.

    By Blogger Iris Restolho, at 10:32 da tarde  

  • Oi...

    eu entendo que o cinema é uma forma de comunicar como qualquer arte. olhado dessa maneira acho que não se questiona se o cinema existe sem o público... tem que haver dois lados para se comunicar e se transmitir os sentimentos e as histórias...

    não sei se partilho da ideia de o filme ter que ser justo... a vida não é justa sempre e... procuramos nos filmes a realidade e um meio de identificação ou ensinamento... não podemos aprender só da fantasia...

    vou voltando se tiver mais ideias.

    By Anonymous Anónimo, at 8:13 da tarde  

  • ... por norma, leio o que se escreve sobre cinema depois de ver o filme e se possível procuro a opinião de dois críticos(?). Nos dias de hoje, a crítica de cinema (e de outras áreas da arte) raramente é feita por especialistas mas por gente que "comenta de tudo um pouco". Ou seja: acumula. Não é por acaso que APV será mais reconhecido por aparecer no pequeno ecran falando sobre futebol do que por realizador de cinema e dos mais antigos.

    O público poderá ter grande influência sobre a indústria cinematográfica... indo ao cinema. E há público para todos os géneros, como sabemos. E embora tendo de admitir que não se faz um filme para perder dinheiro, felizmente que ainda podemos escolher um filme pelo nome de um realizador que nos mereça credibilidade.

    Há alguns filmes que só foram considerados "obras-primas" anos depois de serem estreados e pouco vistos. As transformações sociais, a discussão (e diversos pontos de vista), capelinhas e interesses economicistas sobre um este produto artístico podem "classificar" esse mesmo produto numa "obra-prima" ou um num anónimo filme entre tantos. Prefiro dizer que já vi filmes muito bons.

    Salvaria o livro pelo livro e... o filme pelo filme uma vez que são na minha opinião dois produtos artíticos bem diversos.

    Continuação de boa semana!

    By Blogger Alberto Oliveira, at 11:50 da tarde  

  • Curiosamente, considero que a literatura é um suporte vital e social para quem vive solitário...a literatura abre portas para novas realidades e põe-te em contacto com múltiplas personagens. Na literatura, as personagens ganham vida, interagem não só entre si, mas também com o leitor e agem sobre ele, modificando-o...uma aposta perfeita para combater a solidão.

    (22 de Março? Cheguei mesmo atrasada!)

    beijinho

    By Blogger esse, at 5:36 da manhã  

  • Iris, Legível, Mônica e Esse:

    Muito obrigada pelos vossos contributos e opiniões!

    Para além do meu modo muito pessoal de ver as coisas - rejeitando certezas e absolutos - sofro de um grave problema no que concerne a fazer escolhas e/ou tomar partidos!

    Para mim, há boas e más críticas, não é linear o conceito de "obra-prima" e teria que encontrar um meio para salvar filme e livro! :)

    Percebi que este programa da RTP2 tem quase sempre como convidados/as realizadores/as portugueses e tenho aprendido muito! Sublinho, desde já, a riqueza do discurso e do percurso de Raquel Freire (a realizadora de "Veneno Cura")... muito bom!

    By Blogger Unknown, at 4:20 da tarde  

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