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Cinéfilos Anónimos: maio 2007

Cinéfilos Anónimos

sábado, maio 26, 2007

INLAND EMPIRE


Quando questionado acerca das motivações que levaram à realização de INLAND EMPIRE – o uso exclusivo de letras maiúsculas parte da exigência do seu autor, por razões que, mesmo quando já explicado a escolha do título, permanecem por descortinar -, David Lynch responde, no seu livro intitulado “Catching the Big Fish” (sem tradução portuguesa, sendo que, a arriscar uma extrapolação, aproximar-se-ia de “Á procura do Grande Peixe”), que, antes do mesmo, antes de haver um “INLAND EMPIRE”, não havia nada – e o tudo que daí se formou apareceu por mero acaso, aquando uma conversa do realizador com a actriz que o protagoniza, Laura Dern, que acabara de se mudar para a sua área de residência, desafiando-o a tornarem a partilhar um trabalho juntos. Com efeito, esse projecto - cujo intuito era, originalmente, de publicação recreativa na Internet e, portanto, não lucrativa – veio a evoluir para uma longa-metragem, dado o facto de que - segundo o realizador, transmitindo-o através do livro supracitado – a qualidade da interpretação alcançada pela actriz se apresentou de tal forma sublime, que o lançamento exclusivo naquele meio lhe parecia incomportável; além disso, as catorze páginas de guião - escritas então - e os setenta minutos já constituídos – então filmados – pareciam esconder uma ideia, como que um segredo que os transcendia, bem como ao próprio autor.

De facto, tendo em consideração a leitura deste livro – em que David Lynch se apresenta sem condicionalismos, falando directamente ao ouvido daqueles interessados em almejar percebê-lo, embora conscientemente cientes da inevitável frustração de tal intento – e analisando a generalidade das obras da sua filmografia, este parece defender a existência das ideias enquanto entidades abstractas independentes, exteriores ao mesmo – “peixes no oceano da sua consciência”, como apaixonadamente as descreve -, que este desenvolve segundo a sua intuição, imprimindo, nas suas obras, a sua interpretação, porém conservando, simultaneamente, a universalidade e a mutabilidade das mesmas, inerentes à possibilidade que encerram de constituirem uma experiência única para cada uma das individualidades que se proponham a delas fazer parte. Com efeito, David Lynch defende a anulação de quaisquer (pré)conceitos, determinados a priori da experiência, pelo que se reveste de alguma incoerência este intento de elaborar uma análise crítica a uma obra sua – revelando-se, ainda, tão difícil descrever o seu trabalho e aquilo que faz deste, e doutros dos seus filmes, plenas obras-primas do cinema moderno, como presumir-se possível a compreensão integral, sempre condenada à frustração, do seu conteúdo. Pretender compreender a obra do realizador na sua totalidade, seria ambicionar mergulhar omniscientemente no seu subconsciente – e este INLAND EMPIRE leva esta asserção ao extremo, apresentando um Lynch por lapidar, em estado puro, preterindo aspectos formais em favor do conceito de cinema enquanto arte em movimento; é de salientar, ainda, que, por esta ser, segundo o autor, a característica que mais o atraiu, no início da sua carreira, para a sétima arte (não obstante da sua formação original enquanto pintor, a possibilidade de transmitir as suas telas em sequências dinâmicas apelava-o), assistimos, neste filme, a uma espécie de ciclo na mesma que parece terminar (esperemos que apenas para dar mote a um novo recomeço), já que alberga, simultaneamente, uma celebração da arte na sua manifestação mais primária, e, ainda, todas as dissonâncias intencionais que são apanágio dos seus trabalhos de realização, que resultam no seu carácter único, distinguindo-as das demais obras de outros autores.

Com efeito, em INLAND EMPIRE, até uma simples sinopse pode ser revestida, não só de obstáculos à sua elaboração, mas igualmente de um carácter algo diverso e discutível, já que – bem ao estilo do autor -, por muito inquestionável que nos possa parecer, pelo senso comum, a nossa capacidade de visão – o que é o cinema que não a comunhão das percepções visuais com as auditivas e intelectivas? -, a verdade é que, mais uma vez, Lynch nos leva a construir, ao longo de sensivelmente três horas de filme, permanentes deduções frustradas que desconstroem a confiança que estamos habituados a atribuir aos sentidos - que, nos seus filmes, nos traem permanentemente, pelas fronteiras (quase sempre) difusas entre a realidade e o sonho, e reiterando, assim, o carácter assumidamente simbólico e metafórico de que este se usa para transmitir as suas ideias, quer, algumas vezes, de forma clara, quer o inverso, como é, claramente, o caso de INLAND EMPIRE. No entanto, é comum, na narrativa, a existência de uma actriz, de seu nome Nikki Grace (Laura Dern), acabada de ser escolhida para protagonizar um cobiçada produção cinematográfica, a par de Devon Berk (Justin Theroux), que, depois de ter conhecimento de trágicos eventos - o brutal assassinato dos seus dois protagonistas - que levaram ao cancelamento da produção de um filme adaptado de um conto tradicional polaco, no qual este projecto, alegadamente, se baseava, vê-se envolvida num perturbante ciclo de acontecimentos difusos, em que a realidade e a ficção se imiscuem em vivências diversas e fragmentadas – como aliás, o é a mente humana, como parece ser uma área de intervenção recorrente na filmografia de Lynch, expressando, através de realidades algo extravagantes porque marcadamente misteriosas, as mais primárias emoções humanas, mas também as mais medíocres e mesquinhas, igualmente amplamente verificáveis. Com efeito, a associação entre as vivências de Nikki e a personagem em que parece metamorfosear-se - Susan Blue, que, por sua vez, se divide na sua manifestação de banal dona de casa, adúltera porque infeliz com o seu casamento, e, ainda, numa violenta e amargurada prostituta – são evidentes, quer por indícios visuais, quer por recorrência de diálogos, referências numéricas, reincidência de espaços, etc., exigindo, assim, ao espectador um permanente estado de vigilância crítica, num processo de questionamento, frustração e apaziguamento num ininterrupto ciclo – mais uma vez reiterando o intuito do autor fazer o público partilhar do processo artístico, já que impõe a incursão num método que este afirma utilizar na elaboração de uma tela (neste caso, em movimento), o de agir e reagir continuamente. Algo contraditoriamente, os momentos de frustração – não raros, ao longo do filme, pela normal e já reiterada, incapacidade do espectador apreender todas as intencionalidades na sua totalidade - talvez se devam, de facto, à crença – talvez errada – de que os acontecimentos que constituem este filme – e os filmes na sua generalidade - tenham que ser parte integrante de um intuito maior, movendo-se por um único e absoluto fio condutor que possa ser assimilado em valores exclusivamente lógicos, na procura incessante de uma unidade que não é, possivelmente, pretendida – preterindo, à partida, a hipótese de se constituir uma longa-metragem pela conjugação de ideias abstractas, independentes, traduzidas em sequências cuja relação de causa/efeito pode abarcar trânsitos ilícitos de raciocínio, tendo, porém, a certeza da existência dessa conexão através de um valor subjectivo, o da intuição: transgredindo, assim, a lógica em virtude de um valor emotivo; preterindo a objectividade à subjectividade e extremando o conceito de cinema enquanto uma obra de arte aberta, que pode albergar experiências diversas quanto mais diversas forem as idiossincrasias que a “filtrem”, sublimando os valores da pureza de um ensaio visual, do desafio à nossa intelectualidade e à eventual rendição à intuição.

Este filme foi, com efeito, filmado e montado sem recurso a um guião único, sendo que David Lynch assume que as cenas se basearam em argumentos escritos que iam surgindo gradualmente, independentes uns dos outros, cada um transmitindo ideias autónomas, abstractamente relacionadas entre si – sendo que tudo neste filme parece encerrar a metáfora da tela, já anteriormente sobejamente referida, servindo-se, mais uma vez, o intuito da espontaneidade e criatividade que se pretende na elaboração da mesma; neste mesmo sentido, um quadro não tem um sentido absoluto, nem narra uma história una, única, incontestável e incontroversa, como não acontece, igualmente, neste filme. Nesta perspectiva e neste novo domínio de validade, a amplitude de hipóteses é variada, e, desde diálogos bizarros por personagens bizarras, números musicais fora do contexto e, ainda mais radicalmente, um grupo de pessoas mascaradas de coelhos, num ambiente familiar - cujos discursos, de assunto imperceptível, são acompanhados de reacções exteriores descompassadas e incompreensíveis, apresentando entidades externas (talvez um público que esteja a assistir ao seu quotidiano, como se de um filme se tratasse?) que reagem, rindo, a falas sem qualquer conteúdo humorístico -, tudo marca presença numa manifestação da mais louca expressão do subconsciente do realizador, até ao momento.

Desta forma, sendo-me impossível – como igualmente indesejável – exceder-me na explicitação das premissas que alicerçam INLAND EMPIRE, bem como as possíveis interpretações que daí possam advir – porque tão diversas, tão discutíveis e tão pessoais e, de certa forma, intransmissíveis -, parece, porém, importante referir que o carácter radical do filme – e desconcertante, em certa medida – se expande, igualmente, numa ampla opção/conjugação de possíveis temáticas e ilações que possam, do mesmo, ser retiradas, restando ao espectador discernir ou escolher entre atribuir a valia ou demérito a um filme capaz de expressar ideias tão diversas e contrárias entre si. Com efeito, por um lado, pode haver quem defenda que este filme apresenta uma dura crítica ao cinema enquanto instituição, à hipocrisia dos seus organismos e à sua forma de actuar e evoluir (ou regredir?), abordando, ainda, os obstáculos ao processo criativo, a sobrexposição mediática de que os seus intervenientes são alvos (ou construtores?) e o seu afastamento/comunhão com o próprio público – sendo interessante, simultaneamente, o paralelo com a temática presente na anterior obra do autor, Mulholand Dr., no que concerne abordagem acerca da noção de Hollywood enquanto fábrica de sonhos, sem que haja o discernimento acerca do mesmo ambiente mas enquanto manufactura de frustrações; e, ainda, a intersecção com o mesmo filme, já que, contrariamente ao mesmo, em que a descoberta das hierarquização do poder no seio da indústria cinematográfica se dá através dos destinos de uma estreante naquele ambiente, em INLAND EMPIRE o mesmo processo é colocado nas mãos de uma actriz de renome, consolidada e, portanto, supostamente, mais consciente das contingências do mesmo. Por outro lado, existirão, igualmente, os que defendem que filme apresenta, mais uma vez, a angústia perante o carácter vulgar da nossa existência, o cunho banal e medíocre da definição do ser humano, pondo em confrontação a vivência idealizada e a realidade efectiva, as frustrações perante a apreensão do quanto a vida que sonhamos se afasta da que acabamos por alcançar, factualmente – oposição esta patente na contraposição e alternância entre o sonho e a realidade (presentes, como anteriormente mencionado, na recorrência a referências visuais paralelas, a inclusão de sequências descontextualizadas, só passíveis de interpretação quando integradas num valor simbólico e metaforizado, entre demais exemplos), de que, aliás, torna a partilhar o filme Mulholand Dr., embora este último de forma muito mais claramente delimitada e evidente. Dá-se, porém, a possibilidade de uma terceira opção – ou outras mais, embora sejam estas as mais comuns e, portanto, referidas nesta análise -, que é a de se integrarem as duas noções a partir do tema em que se parecem sobrepor, que é a confrontação entre a idealização e o plano factual dos eventos (as fronteiras entre o que sonhamos e o que vivemos, de facto), porém, assente, na noção de que a integração dos valores emotivos em domínios exclusivamente lógicos não apresenta um processo válido, procurando, sempre, chocar o espectador pela bizarria dos acontecimentos ilustrados e as sensações extremas que provoca - talvez, nesta perspectiva, a “família” de coelhos sirva de instrumento à sátira acerca daqueles que se arrogam da presunção de compreender a totalidade das coisas, sem se aperceberem de que a condição humana, por si só, abarca a permanente ignorância e a perene impossibilidade de omnisciência – com a presença dos risos descompassados a sugerir uma disparidade entre o conteúdo da mensagem real e a apreendida pelos mesmos; talvez, por outro lado, possa materializar uma crítica à degradação do cinema e dos seus públicos, em que se assiste, gradualmente, a uma subversão da arte pelo gosto por todos os valores que fazem mover a indústria das massas – o riso fácil e a postura passiva do espectador, perante o produto cinematográfico; ou, talvez, indicie a tentativa do autor sugerir a universalidade das ideias, sendo que os seus meios de difusão são independentes do seu conteúdo, defendendo, ainda, mais uma vez, que as mensagens não necessitam de ser descodificadas segundo um sistema lógico para poderem fazer sentido—ou não fossem os interlocutores, neste caso, excêntricos coelhos.

Interessa, igualmente, ressalvar que, se é um facto que, por um lado, o carácter notória e intrigantemente dicotómico do filme está directamente correlacionado com o mérito do seu realizador – que, mais uma vez, apresenta um filme, do ponto de vista visual, sem falhas, apresentando, contudo, um cunho algo experimental de que as anteriores obras não partilham, inerente ao facto de que INLAND EMPIRE é todo filmado em vídeo digital (em detrimento do habitual formato de 35 mm); permitiu-se, assim, a uma exposição algo diferenciada no que concerne a uma maior flexibilidade de planos, patente num mais frequente e expressivo uso da técnica de “stroob”, que consiste em utilizar o plano cinematográfico de forma a sugerir a acção na primeira-pessoa, absorvendo o espectador para a acção -, também o é que, por outro lado, as virtudes do filme não se esgotam no seu autor, expandindo-se, de forma próxima, às excelentes interpretações do elenco de actores, nomeadamente, da versátil protagonista. Com efeito, neste aspecto, assistimos ao regresso de actores regulares no universo de Lynch – Justin Theroux, Naomi Watts (dobrando a voz de um dos coelhos) e Laura Harring, os três presentes em Mulholand Dr., as duas últimas ainda em “Rabbits” -, liderados pela talentosa Laura Dern que, depois das participações em outros filmes do autor, como “Blue Velvet” ou “Wild At Heart”, apresenta-se, neste INLAND EMPIRE, em três registos completamente diferentes, integrados nas duas personagens que encarna, constituindo a peça fundamental que transmite verosimilhança, do ponto de vista emotivo, à narrativa. Desta forma —um pouco ao contrário do que acontece com outros filmes, em que somos levados a identificarmo-nos com a personagem, numa relação com uma única direcção e sem retorno -, esta acaba por partilhar, de forma muito próxima, com o espectador, da nossa própria angústia e confusão, já que nos apresentamos, todos, no mesmo domínio do real de validade, em que a omnisciência é um bem inalcançável—e, por isso, da mesma forma que o espectador apresenta dificuldade e frustração em descodificar os acontecimentos do filme, também a personagem que os protagoniza o sente, na mesma medida.

Merecedora, também, de menção é a performance de dois actores estreantes – apenas no universo Lynch, já que são ambos actores de renome -, no caso, Jeremy Irons (no papel do realizador do filme) e Júlia Ormond que, apesar de se apresentarem como personagens de relevância secundária, contribuem para abrilhantar o filme no que a este âmbito concerne.

No que se refere à sonoplastia, mais uma vez, nos encontramos perante um marcado intuito experimental, bem patente no facto de que, desta vez, a banda sonora original do filme não foi entregue às mãos do compositor habitual – sendo que a aposta de Lynch não incorreu, desta feita, em Ângelo Badalamentti, encarregue desta área em filmes anteriores, como Mulholland Dr., Twin Peaks, Lost Highway, Rabbits, Wild At Heart e Blue Velvet -, optando, com efeito, numa compilação de músicas que se pautam, essencialmente, pela pluralidade: quer no que se refere à utilização significativa de faixas vocais – marcando presença variados estilos musicais, desde os blues de Nina Simone, com “Sinner Man” ou de Etta James, em “At Last”, passando pelo pop de Little Eva, no conhecido “The Locomotion”, culminando no estilo misto de Beck, em “Black Tambourine” -, quer, ainda, pela incursão em instrumentais em que a presença dos efeitos de percussão tomam especial relevo – como as duas “Da Natura Sonoris” e a “Polymorphia” de Kryzsztof Penderecki ou, ainda, “Three To Get Ready”, de The Dave Brubeck Quartet, embora ressalvando-se um cunho mais tradicional, no caso da última faixa citada.

Em conclusão, resta mencionar a circunstância de que – ainda que possa parecer algo incongruente -, pessoalmente, não considere que este se trate de um filme recomendável para outros que não fãs entusiastas da obra deste realizador – sendo que, mesmo neste caso, não foram raras as reacções negativas de que INLAND EMPIRE foi alvo, motivando duras críticas ao realizador por uma alegada frustração, por acusações de que este teria feito uma longa-metragem com a duração de três horas desprovidas de conteúdo e polvilhada de sequências ilogicamente estruturadas. De facto, INLAND EMPIRE – à semelhança, mais uma vez, da generalidade da filmografia de Lynch – parece ser capaz de extremar todos os seus intentos e de expandir essa radicalidade a uma destrinça clara e cabal relativamente às reacções que provoca – absolutamente positivas ou destrutivamente negativas -, dividindo o seu público entre os que o adoram e os que o odiaram. Com efeito, pela experiência única e distinta que oferece, pelas sensações extremas que desperta e pela actividade intelectiva que provoca, eu posso afirmar ter a “sorte” de me encontrar entre o primeiro grupo, estendendo esta predilecção pelo estilo que o realizador alberga, e que me fez, logo nos primeiros contactos com a sua obra, de certa forma, mudar a minha forma de ver e de pensar cinema e, em certa medida, percepcionar o meu quotidiano, ao rever os diferentes papéis que atribuímos aos valores por que nos regemos e que constituem as nossas directrizes; prevalecendo estes factores, mesmo apesar da complexidade e da adversidade que resultam, na maioria dos seus filmes, na necessidade de efectuar mais que um visionamento do mesmo, para que possamos almejar, pelo menos, a construção do nosso próprio significado, com base nos alicerces que nos são dados – e, deixo a pergunta, o que será a vida, que não um processo de edificação do nosso percurso, sustentado e adaptado àquilo que nos é externo e aos condicionalismos que nos são impostos?

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sexta-feira, maio 11, 2007

NeverWas - A Terra Mágica


“A Terra Mágica” é um filme de 2005 que conta com a realização de Joshua Michael Stern e com um elenco de aclamadas e reconhecidas caras do cinema, entre as quais as de Aaron Eckhart, Ian McKellen, William Hurt, Nick Nolte e de Brittany Murphy.

Conta-se a história de um contador de histórias que sofre de uma perturbação psiquiátrica (Perturbação Bipolar) que o conduz ao suicídio. Para trás deixa o seu filho – que ama acima de qualquer medida – e um conto infantil sobre uma terra mágica que “nunca existiu” dedicada a este. Zachary Riley (Aaron Eckhart) é o filho abandonado e carregado de culpa pela morte do pai e protagoniza directa e indirectamente esta história, quer apadrinhando com o seu próprio nome a personagem principal do conto, quer vendo-se obrigado a dar continuidade a uma história real da qual deseja, simultânea e contraditoriamente, fugir e desvendar. Ingressando na equipa médica do hospital onde o seu pai esteve internado, Zachary conhece um paciente cuja “disfuncionalidade” (o que quer que signifique) lhe é familiar e o obriga a (re)viver o seu passado e a questionar o valor da racionalidade e da lógica em favor da força dos afectos (que me perdoem o lugar comum).

Não sei ao certo se escrevo pela qualidade do filme, se o faço pela minha necessidade de alimentar a esperança na existência de uma terra mágica… Efectivamente, não me sinto sequer capaz de avaliá-lo fria ou tecnicamente (quem sou eu?), o certo é que a sua simplicidade ou linearidade me fez sentir algo de muito complexo e pesado: medos (da injustiça da minha felicidade e da minha infelicidade), saudades de quem tinha ao meu lado, uma alegria ingénua, esperança apesar de rodeada de incerteza, ignorância e vazio. Convidou-me a cair da ratoeira que preconiza e a provar do sofrimento e do êxtase da “loucura” – quase senti como era duro e triste amar tão profunda e infinitamente alguém – e a acreditar na fantasia dos contos e das fadas. E é isto que a felicidade (em comum com a doença), parece (nesta perspectiva) ter de perigoso – o facto de oscilar entre pólos muito distintos, sempre testando até que ponto somos capazes de lidar com os extremos e nos conformamos com o que “deve ser”.

Ao contrário do que qualquer um de nós acreditaria a Terra Mágica existiu para alguém. Mesmo violando os limites do aceitável e da crítica que tão portentosamente ostentamos enquanto “normais”, mal ou bem, certo ou errado, possível ou impossivelmente, na Terra Mágica havia paz, havia cor, havia fadas, havia um rei… provando-nos que é possível transformar os significados e as intenções como quem transforma bombas mortíferas em água doce!