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Cinéfilos Anónimos: fevereiro 2009

Cinéfilos Anónimos

sábado, fevereiro 07, 2009

Arte em Série(s)


Se é verdade que, há uns anos, as séries televisivas eram tidas como uma “arte” menor comparativamente ao cinema, também o é temos vindo a assistir ao processo de crescimento, reconhecimento e afirmação das séries no panorama actual. Cada vez mais frequentemente: (1) nos deparamos com argumentos mais complexos e/ou melhor articulados (dos mais perspicazes em termos da crítica social, passando por uma comédia inteligente e audaz e/ou pela ficção científica questionante e reflexiva, chegando aos dramas mais realistas), (2) se torna claro que a necessidade de fidelização do público ajudou a definir a ficção para televisão como um género em que vale a pena apostar/investir; (3) assistimos a uma maior “permeabilidade” entre o mundo televisivo e o do cinema, nomeadamente tendo em conta a participação de reconhecidas caras do cinema em séries televisivas (e vice-versa), o que, há uns anos, era tido como (quase) desprestigiante.


A título de exemplo, quanto este ultimo ponto, podem ressaltar-se os casos do realizador Quentin Tarantino (responsável pelo episódio final da série CSI) ou da galardoada com um Óscar em 2008 pelo argumento do filme Juno, Diablo Cody que se estreou recentemente na televisão com a série United States of Tara.


Assumindo-me, igualmente, como uma fã recente de séries, proponho-me a fazer um breve comentário a algumas das minhas séries de eleição:


How I met your mother (Foi assim que aconteceu)


Um humor descontraído e a aparente simplicidade inerente aos relacionamentos entre amigos são os ingredientes principais desta série (que já vai na 4.ª temporada) que se organiza em torno da revelação do início da história de amor dos pais, narrada pelo pai aos filhos. Com efeito, são contados pormenorizadamente, os momentos mais marcantes da vida de cinco amigos – Ted, Lilly, Marshal, Robin e Barney – vividos em conjunto. Assumindo o ridículo, cada personagem denuncia as preocupações e sentimentos do nosso quotidiano. Será este um alerta que nos convida a procurar o humor que existe nos nossos gestos mais pequenos ou, sem qualquer pretensão, apenas um incentivo a desfrutarmos de 20 minutos de total despreocupação? Efectivamente, a série assume-se enquanto puro entretenimento, não parecendo ter qualquer preocupação de ordem social, nem o intuito de “educar” o público. Trata-se, desta forma, de uma série acerca de “nada” (aproximando-se do formato apresentado por Seinfeld), cuja continuidade é garantida pela constante expectativa de, finalmente, conhecermos a identidade da mãe dos filhos do narrador.


Grey’s Anatomy (Anatomia de Grey)


Toma a Medicina como pretexto, mas serve-se dos relacionamentos e dos dilemas das personagens para atrair a nossa atenção e reflexão. Uma comédia dramática (atrevo-me a chamar-lhe assim) que disseca em torno das implicações que a nossa personalidade pode ter no nosso trabalho (ou será, acerca do modo como a nossa profissão pode moldar aquilo que somos, com base naquilo que vivemos), do processo de comunicação humana (quantas vezes revelamos o nosso amor através da agressividade? Ou quantas vezes o escondemos com indiferença para não demonstrar vulnerabilidade?) e do significado da vida (ou do amor na nossa vida?)… A escolha dos protagonistas (Meredith e Derek) deixa muito a desejar (tamanha é a inexpressividade), mas deparamo-nos com personagens extremamente fortes e ricas.


Lost (Perdidos)


Tendo iniciado, na quarta-feira, a sua 5.ª temporada na América, Lost centra-se numa história envolta num clima de total mistério. Após o despenhamento do avião no qual viajavam, os sobreviventes vêem-se obrigados a viver numa ilha, aparentemente impossível de localizar. O processo de socialização e de sobrevivência é descrito de uma forma vivencial, podendo o realismo sair comprometido pela forte componente de ficção científica que a série encerra.


Brothers & Sisters (Irmãos e Irmãs)


De uma forma concreta e aparentemente simplista, trata-se de uma história acerca de uma família. Afirmo-o, acreditando que nenhum relacionamento (muito menos, no que diz respeito à vivência diária de uma família nuclear) é linear ou descomprometido. Enquadrada num contexto claramente americano, são também abordadas questões políticas e sociais da máxima relevância (não só declarando a controvérsia, como assumindo posições e, desta forma, provocando um desequilíbrio questionante junto do espectador). Na sua 3.ª temporada, Brothers & Sisters leva-nos a revisitar as nossas concepções de família e a nossa própria vivência dos laços, favorecendo a adopção de uma posição crítica, mas proactiva em relação a nós próprios e “aos nossos” – tudo isto, abrilhantado pelo humor presente nos diálogos e pelo carácter especial e único de cada personagem.


Six Feet Under (Sete Palmos de Terra)


Foi numa postura resistente que comecei a seguir esta série. Falar da morte ou enfrentar o medo não é propriamente convidativo, ou é-o para poucos. Acresce a este facto, o da série ter o poder de, não só desmistificar a morte e os nossos receios de perda, como de extrapolar o tema num esforço de valorização da vida! Incontável e inesgotável num parágrafo, a série encerra em si um potencial reflexivo e profundamente transformador.




Muitas outras há por referenciar (não o faço por desconhecimento), pelo que deixo os desafios:
Que estilo mais vos atrai?
Que séries acompanham e porquê?

terça-feira, fevereiro 03, 2009

(Psi)nema

O mote foi lançado – de que forma a Psicologia ou a Psiquiatria podem ser ciências que alimentam os argumentos cinematográficos? – e, para já, a dispersão impera!

Efectivamente – sabendo que qualquer definição se revelará profundamente redutora –, tratando-se a Psicologia e a Psiquiatria de ciências psicológicas, estas centram-se no estudo (dos modos de lidar com a) da vida; dos indivíduos em relação com o(s) seu(s)mundo(s) e com as suas relações, enfatizando as suas vertentes cognitiva, emocional e comportamental.

Tomando posse das palavras do realizador italiano Fellini, se “o cinema é um modo divino de contar a vida”, então o cinema pode assumir-se como arena, ferramenta, veículo ou motivo para as aprendizagens neste(s) âmbito(s) científico, bem como este(s) se podem constituir como matéria-prima a elaborar e reflectir nos argumentos cinematográficos.

Para responder, de forma concreta e objectiva, à questão que serve de propósito a este post, poderia optar por começar pelas evidências, por enumerar as obras cinematográficas que tomaram a psicopatologia (e.g., “Voando sobre um ninho de cucos”, 1975; “Encontro de Irmãos”, 1988; “O Príncipe das Marés”, 1991; “Mr. Jones”, 1993; “Trainspotting”, 1996; “Melhor é impossível”, 1997; “Vida Interrompida”, 1999; “Uma mente brilhante”, 2001; “Pela mão do senhor”, 2001; “As Horas”, 2002; “O Aviador”, 2004; …), ou mesmo as relações terapêuticas (e.g., “Uma questão de nervos”, 1999; “Terapia de Choque”, 2003; “Terapia do Amor”, 2003) como premissa. Poder-se-ia, ainda, fazer referência à filmografia que se centra em aspectos relacionados com assuntos prementes ao longo do desenvolvimento – como sendo as relações, a parentalidade (e.g., “O Clube dos Poetas Mortos”, 1989; “Charlie e a fábrica de Chocolate”, 2005; “Em busca da Felicidade”, 2006;), o mundo da formação (ver aqui), o mundo do trabalho (e.g., “Às segundas ao sol”, 2002;), as perdas (e.g., “As confissões de Schmidt”, 2002;), … – e com o impacte dos mesmos, em termos psicológicos, para os indivíduos. Haveria, igualmente, ainda algo a dizer acerca da utilização das obras cinematográficas enquanto instrumento/ferramenta com intuitos terapêuticos… Um tema inesgotável!

“O cinema é um modo divino de contar a vida” e a vida é o objecto de estudo das ciências psicológicas…

No entanto, ao explorar este tema, deparei-me com algumas questões: Será esta relação uma relação simbiótica ou parasita? Funcionará o cinema, quando versa estas questões, um instrumento de informação e educação – se é que tem que ser assim – ou um veículo reforçador de estereótipos e estigmas?

Estas perguntas emergem da análise, em retrospectiva, de alguns argumentos cinematográficos. A título de exemplo, questiono-me: será que o filme “Melhor é impossível” é relembrado pelas pessoas como um “bom-momento-de-comédia” (dada a comicidade que acaba por caracterizar a personagem, tendo em conta os comportamentos estereotipados que demonstra… sem que seja evidente, para os menos informados, o sofrimento implícito em cada um desses “tiques”), como um testemunho fiel da vivência das pessoas que sofrem de perturbação obcessivo-compulsiva? Ou o filme “Voando sobre um ninho de cucos”: prevalecerá como um documento enquadrado na história da psiquiatria (aludindo, de forma, marcada ao exercício de comparação e de tomada de consciência em torno da evolução dos serviços de saúde mental) ou como uma ameaça aterradora (dada a tensão, o carácter limitador da liberdade, o império da loucura que urge ser reprimida que é apresentado) para todos aqueles que sofrem os impactes (directa ou indirectamente) de uma doença mental? Recorrendo a um exemplo mais recente (embora se deva salvaguardar que a narrativa se encontra numa fase inicial e, por isso, pode vir a demonstrar-se precoce o comentário), tomemos a série escrita por Diablo Cody – United States of Tara. A série toma como protagonista uma personagem, cuja doença do foro psicológico que vivencia lhe confere a “possibilidade” de assumir diferentes personalidades (sem que isso seja controlável). A bizarria dos seus comportamentos faz com que a personagem se revista de uma natureza humorística que atrai o espectador, mas que pode estigmatizar a perturbação mental; isto é, poderá vir a reforçar a ideia de que a doença mental se aproxima da loucura e/ou da anormalidade.

Não defendo, com a explanação desta ideia, que o cinema deverá abandonar esta facção da vida (é caso para retomar a eterna questão: quem é normal, que atire a primeira pedra)… antes que, mesmo procurando na 7.ª arte o mero entretenimento, devemos reservar alguns momentos para pensar acerca do que acabamos de ver e para retirar desta experiência, como de todas as outras que vivemos, alguma(s) aprendizagem(s).