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Cinéfilos Anónimos: (Psi)nema

Cinéfilos Anónimos

terça-feira, fevereiro 03, 2009

(Psi)nema

O mote foi lançado – de que forma a Psicologia ou a Psiquiatria podem ser ciências que alimentam os argumentos cinematográficos? – e, para já, a dispersão impera!

Efectivamente – sabendo que qualquer definição se revelará profundamente redutora –, tratando-se a Psicologia e a Psiquiatria de ciências psicológicas, estas centram-se no estudo (dos modos de lidar com a) da vida; dos indivíduos em relação com o(s) seu(s)mundo(s) e com as suas relações, enfatizando as suas vertentes cognitiva, emocional e comportamental.

Tomando posse das palavras do realizador italiano Fellini, se “o cinema é um modo divino de contar a vida”, então o cinema pode assumir-se como arena, ferramenta, veículo ou motivo para as aprendizagens neste(s) âmbito(s) científico, bem como este(s) se podem constituir como matéria-prima a elaborar e reflectir nos argumentos cinematográficos.

Para responder, de forma concreta e objectiva, à questão que serve de propósito a este post, poderia optar por começar pelas evidências, por enumerar as obras cinematográficas que tomaram a psicopatologia (e.g., “Voando sobre um ninho de cucos”, 1975; “Encontro de Irmãos”, 1988; “O Príncipe das Marés”, 1991; “Mr. Jones”, 1993; “Trainspotting”, 1996; “Melhor é impossível”, 1997; “Vida Interrompida”, 1999; “Uma mente brilhante”, 2001; “Pela mão do senhor”, 2001; “As Horas”, 2002; “O Aviador”, 2004; …), ou mesmo as relações terapêuticas (e.g., “Uma questão de nervos”, 1999; “Terapia de Choque”, 2003; “Terapia do Amor”, 2003) como premissa. Poder-se-ia, ainda, fazer referência à filmografia que se centra em aspectos relacionados com assuntos prementes ao longo do desenvolvimento – como sendo as relações, a parentalidade (e.g., “O Clube dos Poetas Mortos”, 1989; “Charlie e a fábrica de Chocolate”, 2005; “Em busca da Felicidade”, 2006;), o mundo da formação (ver aqui), o mundo do trabalho (e.g., “Às segundas ao sol”, 2002;), as perdas (e.g., “As confissões de Schmidt”, 2002;), … – e com o impacte dos mesmos, em termos psicológicos, para os indivíduos. Haveria, igualmente, ainda algo a dizer acerca da utilização das obras cinematográficas enquanto instrumento/ferramenta com intuitos terapêuticos… Um tema inesgotável!

“O cinema é um modo divino de contar a vida” e a vida é o objecto de estudo das ciências psicológicas…

No entanto, ao explorar este tema, deparei-me com algumas questões: Será esta relação uma relação simbiótica ou parasita? Funcionará o cinema, quando versa estas questões, um instrumento de informação e educação – se é que tem que ser assim – ou um veículo reforçador de estereótipos e estigmas?

Estas perguntas emergem da análise, em retrospectiva, de alguns argumentos cinematográficos. A título de exemplo, questiono-me: será que o filme “Melhor é impossível” é relembrado pelas pessoas como um “bom-momento-de-comédia” (dada a comicidade que acaba por caracterizar a personagem, tendo em conta os comportamentos estereotipados que demonstra… sem que seja evidente, para os menos informados, o sofrimento implícito em cada um desses “tiques”), como um testemunho fiel da vivência das pessoas que sofrem de perturbação obcessivo-compulsiva? Ou o filme “Voando sobre um ninho de cucos”: prevalecerá como um documento enquadrado na história da psiquiatria (aludindo, de forma, marcada ao exercício de comparação e de tomada de consciência em torno da evolução dos serviços de saúde mental) ou como uma ameaça aterradora (dada a tensão, o carácter limitador da liberdade, o império da loucura que urge ser reprimida que é apresentado) para todos aqueles que sofrem os impactes (directa ou indirectamente) de uma doença mental? Recorrendo a um exemplo mais recente (embora se deva salvaguardar que a narrativa se encontra numa fase inicial e, por isso, pode vir a demonstrar-se precoce o comentário), tomemos a série escrita por Diablo Cody – United States of Tara. A série toma como protagonista uma personagem, cuja doença do foro psicológico que vivencia lhe confere a “possibilidade” de assumir diferentes personalidades (sem que isso seja controlável). A bizarria dos seus comportamentos faz com que a personagem se revista de uma natureza humorística que atrai o espectador, mas que pode estigmatizar a perturbação mental; isto é, poderá vir a reforçar a ideia de que a doença mental se aproxima da loucura e/ou da anormalidade.

Não defendo, com a explanação desta ideia, que o cinema deverá abandonar esta facção da vida (é caso para retomar a eterna questão: quem é normal, que atire a primeira pedra)… antes que, mesmo procurando na 7.ª arte o mero entretenimento, devemos reservar alguns momentos para pensar acerca do que acabamos de ver e para retirar desta experiência, como de todas as outras que vivemos, alguma(s) aprendizagem(s).



6 Comments:

  • Muito pertinente, este tema... Desde sempre o cinema (e a arte em geral) foi usado com a função de moldar estilos de vida e isso pode ter efeitos muito perniciosos.

    No entanto, tendo a acreditar que os contributos do cinema para a educação e para a consciencialização de problemas sociais e, mais concretamente, da psicopatologia, é muito mais positivo do que negativo. Embora o cinema não possa ter a responsabilidade de nos educar. Um filme é uma obra de arte, uma perspectiva de alguém sobre determinada realidade... Perderia toda a sua essência se o autor fosse obrigado a um dever de objectividade.

    Os filmes são apenas um meio privilegiado para a educação e não a educação em si mesmo.

    By Blogger Woody, at 11:56 da tarde  

  • ... concordo plenamente com o comentário de Woody. O cinema é, em primeira análise um produto artístico, que naturalmente poderá (deverá) versar todos os assuntos.

    Poderá ser tão rico pedagogicamente como... manipulador. E não apenas de emoções...

    By Blogger Alberto Oliveira, at 11:26 da manhã  

  • Bom, antes de mais acho que o tema é interessante e que o texto está escrito de maneira inteligente… que faz pensar!
    Agora eu também acho que depende do que a gente procura. Fala sério: eu não vejo novela procurando aprender algo (mesmo que acabe por aprender no caminho!). À vezes em que simplesmente quero passar um bom momento sem pensar em nada…
    Mas também acho impossível não pensar depois de assistirmos a alguns filmes e não crescer enquanto pessoas com a maioria deles!
    Estou lembrando também do filme “Shinning”, do pianista… ou de um outro com o Jack Nicholson - “A Promessa

    By Anonymous Anónimo, at 12:21 da tarde  

  • Quando falar sobre cinema era ainda uma guerra, da Arte contra as artes, surgiram 3 nomes, 3 teóricos, por assim dizer: Munsterberg, Arnheim e Eisenstein (entre outros, claramente). Os dois primeiros eram psicólogos e escreveram obras em defesa do cinema por oposição ao teatro, em função do psicológico. o terceiro era um génio que bebeu profundamente do construtivismo, que viria a influenciar francamente a psicologia. A génese da psicologia e a génese do cinema namoram-se historicamente. Ou seja, a psicologia, mas que conteúdo cinematográfico, foi a matriz dos seus processos. Mas a história não acabou aí. Até à próxima.

    By Blogger gorgonzola, at 8:04 da tarde  

  • Woody, Legível e Mônica:

    Olá a todos e obrigada pelos comentários! A minha forma de olhar para o tema aproxima-se totalmente da vossa!

    Podendo assumir um carácter pedagógico, não pode esperar-se que o cinema saia desvirtuado em favor da informação!

    Gorgonzola, que bom ver-te por estas bandas! Obrigada pelo comentário. Fiquei interessada no resto da história desse namoro... Aparece!

    By Blogger Unknown, at 2:40 da tarde  

  • Eu concordo Whisper, para mim só faz sentido se me obrigar a pensar e se levar à mudança de alguma coisa em mim ...isso deve explicar o facto de eu não coneguir ver o género 007...

    beijinho

    By Blogger esse, at 5:10 da tarde  

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