Cinema de 2006 - Um ano para recordar?
(...continuação)
OS 5 MELHORES FILMES DE 2006
Penso que, ao desfrutar desta obra, estamos perante uma harmonização perfeita entre a imagem, a música e (tarefa difícil!) o conteúdo e temáticas que aborda. Talvez arrisque em afirmar que este filme pode definir o que o cinema parece constituir: é simultaneamente uma obra de arte, um momento de entretenimento e um mote integrado para a reflexão e para o debate. Pensamos que a sua qualidade se pauta – para além da excelência das performances dos actores e dos restantes técnicos implicados na sua realização – pela profundidade, maturidade e consequência com a qual se propõe o argumento.
2. Match Point (Woody Allen)
Não fossem, à partida, os créditos de realização motivo suficiente para se tratar de uma obra merecedora de imediata consideração e expectativa, Woody Allen faz questão de ir mais longe, num filme de 2006, que se adivinha de sempre: presenteia-nos não só com a sua reinvenção enquanto autor, mas principalmente com uma visão que tem tanto de desconcertante como de desconstrutiva, num thriller subtil e alucinante, sobre paixão, obsessão e o papel da sorte enraizadamente atribuído às decisões que fazemos ao longo da vida. Com efeito, pisa um terreno escorregadio ao dissecar e –pretensamente – reduzir um episódio de adultério e excessos a uma pura e quase imaculada questão de sorte. Enfatizo, porém, o carácter aparente desta premissa e suposta redução – se olharmos bem de perto, Woody Allen oferece uma reflexão profunda acerca das dualidades que povoam a sociedade actual, expondo a ironia presente na polissemia inerente ao conceito contemporâneo de felicidade; é uma dissertação despretensiosa acerca do poder de escolha, questionando os limites que o ser humano (em toda a sua fragilidade) está disposto a transpor para manter a ilusão da felicidade e a segurança que a parece definir. Confronta, assim, a aspiração de uma existência passiva e sólida que suplanta, impreterivelmente, quaisquer desejos e vontades, com o desvario de uma obsessão.
3. Breakfast on Pluto (Neil Jordan)
Constituindo, provavelmente, um dos filmes mais negligenciados do ano – nomeadamente relativamente à performance do actor Cillian Murphy, atingindo uma maturidade e excelência indiscutíveis -, Breakfast on Pluto apresenta-se-nos como uma espécie de conto de fadas de tempos mais actuais, enfatizando as provações e a alienação impostas pela conotação atribuída ao conceito transsexualidade, embora com uma subtileza simultaneamente enternecedora e angustiante. Com efeito, assistimos, ao longo da película, à desconstrução da imagem de vítima geralmente atribuída, sem, porém, nunca a negar nem deixar de a sugerir, apresentando um honesto manifesto acerca do que é a verdadeira (auto)aceitação do que significa ser “diferente” – a constante alternação de ambientes e estados excêntricos e crus, deixa antever um outsider em permanente procura do seu auto-conhecimento e da definição e reconhecimento da sua individualidade. A universalidade e imperativa extrapolação residem, com efeito, na abordagem sofrida e de uma inocência que desmascara o verdadeiro motivo da busca do protagonista – a necessidade premente da sua totalização enquanto indivíduo.
4. V de Vingança (James Mc Teigue)
Apesar de se tratar da adaptação cinematográfica de uma banda desenhada e de toda a expectação inerente ao facto de ter tido a colaboração dos conhecidos irmãos Wachowski no que concerne ao argumento, a obra ganha em não só não se limitar à abordagem “super-herói” que, geralmente caracteriza este tipo de obras, como também revoluciona esse conceito. Acresce a este risco consciente e intencionalmente tomado o poder de subverter os papéis (e.g., bom vs mau) – e ou confundi-los para os reorganizar – e inverter todo e qualquer pré-conceito que possamos ter desenvolvido a esse respeito. No seguimento desta ideia, a máscara aparece como um meio de universalizar intentos – desconstruindo a ideia de que há moralidade no terrorismo – e de privilegiar a magnitude das crenças, das motivações e dos ideais (à prova de bala!). O filme propõe uma ilustração de extrema acuidade, ainda que metafórica, no que respeita ao que define a actualidade contemporânea, o real e o socialmente partilhado. Apresentando referências evidentes a episódios da história mundial, aborda-os no tempo presente e com vista ao futuro, já que, independentemente da data, os ideais se mantêm.
5. Walk the line (Jack Mangold)
Não obstante (ou talvez precisamente por) tratar-se de uma obra biográfica (que poderia salvaguardar o facto de não se apresentar como surpreendente ou inovador), o filme oferece a mais valia de integrar de forma quase perfeita o contributo da realidade – fazendo evidência da importância das vivências ao longo da vida, dos comportamentos, dos seus significados e das suas consequências –, das aspirações e expectativas, da vertente musical da vida do cantor – oferecendo uma banda sonora vibrante, sincera e de qualidade certificada pelo sucesso obtido – e do sempre sensibilizador pendor romântico que une estes protagonistas do palco e da vida.
Brincando com as palavras, é, de facto, honroso ser capaz de abordar uma temática que requer, simultaneamente, sensibilidade e maturidade com a atenção que podemos experienciar e adivinhar, ao visualizar Transamerica. Efectivamente, este salienta a vivência emocional de experiências, dúvidas, receios e legitimidades universais – apesar do mundo teimar em fazer delas “diferentes” e “desviantes” – indo bem mais além dos discursos feitos e socialmente veiculados sem crítica ou cuidado (e menos esforço por isso). Salienta-se, principalmente, a sublime e completa interpretação de Felicity Huffman no papel de protagonista, cuja maturidade e humanidade, permitem a elaboração de um retrato verosímil e sensibilizador, tocando uma realidade que se nos apresenta, quase sempre, tão distante.
Posto isto, abrimos o espaço à discussão, esperamos as vossas sugestões e impressões e despedimo-nos com os votos de um excelente 2007!
Aspirante e Whisper