Falar sobre cinema
O realizador português António Pedro Vasconcelos foi entrevistado num programa da RTP2 (17 de Fevereiro de 2009, 23h30).
Descreveu-se como “um homem das Letras e das Artes” que oscilava entre “um lado depressivo e um lado eufórico, vital”. Referiu que, tendo abandonado o curso superior de Direito (uma herança familiar), “começou pela Literatura”, embora antecipasse que a optar pelo investimento neste domínio, alimentaria o seu “lado depressivo”. Assim, nas palavras do realizador, foi o cinema que lhe “deu o lado vital”, explicando que “o cinema convive com as pessoas (…) não filmamos sozinhos, apesar de estarmos sós (…) na literatura vivemos absolutamente solitários”.
Quando “descobriu” que a sua vida profissional passaria obrigatoriamente pelo cinema, beneficiando de uma bolsa de formação por parte da Fundação Calouste Gulbenkian, viajou para Paris onde frequentou o curso superior de Filmografia. Descreveu que, num período de 2 anos, viu mais de 2000 filmes.
Confesso que não reconhecia o realizador, apenas conhecia o comentador desportivo. Durante a entrevista, foram algumas as expressões que me surpreenderam e/ou captaram a atenção. Não assegurando total fidelidade às reais palavras do cineasta (porque entre a recordação e a evocação há pormenores que se vão perdendo), gostaria de transcrever alguns momentos – sem o intuito de reforçar ou contrapor, mas antes de nos fazer falar sobre cinema.
[a propósito da literatura e do cinema]
“Descobri a literatura antes do cinema e ainda hoje, se tivesse que salvar, salvava o livro (…) a literatura é um milagre: criar emoções com sinais pretos dispostos numa folha branca (…) mas emociono-me mais com o cinema”.
[a propósito da comparação entre o público dos filmes de A.P. Vasconcelos e Manoel de Oliveira, sugerida pelo entrevistador]
“Não é possível comparar. Há maus filmes com público mas não creio que haja bons filmes sem público (…) Não há cinema sem público”.
[a propósito da crítica de cinema portuguesa]
“A crítica, em Portugal, não existe. (…) Um bom crítico deveria ir atrás das emoções e comentar em consonância com o que sente”.
[a propósito dos ingredientes de uma obra-prima]
“Ainda hoje me questiono acerca das razões que fazem de “E tudo o vento levou” o filme que é (…) acho que é porque cada personagem tem o que merece”.
[a propósito da provocação do entrevistador, na qual este sugeria que, se os filmes fossem todos justos se afastariam da realidade]
“os grandes cineastas são os que escrevem direito [referindo-se à justiça] por linhas tortas [referindo-se à realidade]”.
[a propósito do sucesso do filme “O lugar do Morto” (1984)]
“Não esperava tanto sucesso de um filme que sofreu tantas vicissitudes (…) a explicação que me foram apresentando prendeu-se com o facto dos espectadores considerarem que foi o primeiro filme português a ser um filme normal”
Ficam os pontos de partida:
Como caracterizariam a crítica sobre cinema que é feita em Portugal?
Que poder tem o público sobre o cinema? Que proporções entre a aceitação do público e a construção técnica de um filme?
Na vossa opinião, o que faz de um filme uma obra-prima?
Livro vs Filme – o que salvariam?