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Cinéfilos Anónimos: junho 2007

Cinéfilos Anónimos

domingo, junho 03, 2007

Laranja Mecânica


O filme “Laranja Mecânica” – realizado, em 1971, por Stanley Kubrick e originário do Reino Unido – é-nos apresentado frequentemente na qualidade de uma “obra-prima imperdível”.

Tentando reduzi-la à linearidade, conta-se a história de um jovem (e dos seus seguidores) que vê a violência e a usurpação como meio para atingir o seu (aparentemente) único objectivo: obter prazer! Numa das suas investidas de ilegalidade Alex (Malcolm McDowell) é detido e, exímio sedutor, consegue ser seleccionado para participar num programa de “cura de transgressores” que o habilitaria à liberdade célere. Ao longo da película, o espectador é introduzido às condições experimentais do mencionado tratamento e às suas consequências (superficialmente falando), bem como o é relativamente às características personológicas e comportamentais de Alex (de uma forma sagaz e dura).

Paralelamente embora, na minha opinião, aí deva residir o foco da atenção e atitude reflexiva do espectador, a película convida à avaliação dos limites da acção humana (neste caso, terapêuticamente falando), já que são frequentes os confrontos com a ambiguidade entre o desejável e o legal, entre o justo e o injusto, entre o violento e o ético. Efectivamente, parece partir-se o princípio que o comportamento violento é “aprendível” e, por isso, passível de ser desaprendido, ao ponto de se experimentar a reprogramação do protagonista “ensinando-o” a agir de forma socialmente aceite e equilibrada através de técnicas de condicionamento (associando-se qualquer acto ou pensamento agressivo a um mal-estar geral biológica e psicologicamente produzido). Como tentava apresentar anteriormente, não obstante ser quase unânime a justiça do castigo aos transgressores, arriscaria afirmar a impossibilidade de qualquer pessoa se sentir indiferente à violência desta “cura”, pagando-se a violência com a violência e, por isso, não se conseguindo fazer operar a mudança (antes camuflando-se alguns comportamentos mais visíveis e incomodativos socialmente) e dando-se espaço à total manipulação dos resultados.

Não me sinto no direito de expor as minhas e outras teorias acerca da origem do comportamento (e personalidade, caso exista uma tipificada) delinquente, contudo penso que “Laranja Mecânica” nos convida (e obriga) ao confronto com esta realidade, ao estabelecimento de paralelismos com o quotidiano e, no limite, à formulação de explicações e à tomada de posição(ões). Deverão existir teorias em abundância (e não raramente as adivinho discrepantes) mas atrevo-me a adiantar uma reflexão que espero unânime: é com alguma revolta que me apercebo (e vou confirmando em repetidas “celebrações” mediáticas) que – passando o adágio popular – “o crime compensa” e que a manipulação social (neste caso através da violência e pela dissimulação) acaba por transformar os marginais em vítimas da sociedade, desresponsabilizando-os e, cegamente, a responsabilizar as “verdadeiras” vítimas. No que a este respeito concerne, não desejo estender-me, convidando os leitores à expressão e ao debate, assumindo o meu cepticismo e (quase)inflexibilidade quanto à compreensão deste “fenómeno” da violência.

Tendo sido, como anteriormente citado, realizado na década de 70, “Laranja Mecânica” pretende projectar a realidade no tempo, o que, materialmente, se operacionaliza em cenários futuristas e visualmente atractivos, estimulantes e bem conseguidos nomeadamente no que respeita às cores utilizadas, ao design dos espaços e à bizarria do vestuário, do vocabulário e da maquilhagem. Uma outra característica do espaço é a abundância de referências de cariz sexual que, não a compreendendo do ponto de vista da estética, apenas consigo (tentar) compreender como antecipação da banalização do tema e como “crítica” à (i)moralidade social que impera ao longo da história.

Um outro ponto merecedor de destaque, prende-se com a qualidade musical da banda sonora – privilegiadamente protagonizada por trechos da 9.ª Sinfonia, da autoria de Ludwig van Beethoven e com arranjo de Wendy Carlos. Efectivamente, a harmonia (por vezes desconfortável, inquietante e não raras vezes violenta) encontrada entre a imagem e a música parece fortalecer a mensagem que pretende transmitir-se através da transferência de emoções do ecrã para o espectador.

Por tudo isto, adiei a minha opinião para o fim… imperdível? Obra-prima? Não sei responder com certeza, estando certa que tal se deve à ambivalência que o filme e o tema em mim provocam. Encontro-me resistente em considerar a violência como obra-prima, ajoelhando-me perante a qualidade do método.