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Cinéfilos Anónimos: Babel - Artigo de Opinião

Cinéfilos Anónimos

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Babel - Artigo de Opinião

“Babel” é uma das obras candidatas ao Óscar de Melhor Filme nesta nova edição do evento que se aproxima de forma célere. A sua qualidade tem vindo a ser aclamada, quer por críticos da especialidade quer por leigos, ao mesmo tempo que tem sido elogiado o facto de ter sido rodado em três países e de ser falado em 5 línguas – entendendo-se a linguagem não só no que concerne às suas singularidade e especificidade ao nível da identidade nacional linguística, como, igualmente, numa dimensão mais universal e simbólica do termo –, contando com a realização de Alejandro González Iñárritu.

O filme propõe o desenvolvimento interrelacionado de múltiplas histórias, prometendo, tão somente, uma descrição dos costumes quotidianos de diferentes povos, que sugere (sub-reptícia mas evidentemente) uma reflexão profunda e sob variadas perspectivas acerca da comunicação no sentido mais amplo que esta conseguir abarcar, sendo que parece ser através da subentendida diversidade que somos convidados a reflectir em torno de questões de natureza universal.

Com efeito, confessando a acentuada ambivalência (por achar impossível prometer certezas) com a qual me comprometi a pensar e a sistematizar a minha análise da película, penso que nos é oferecida a possibilidade de (quase sempre comparativamente) reflectir acerca de questões 1) pessoais – culpa, competência, afecto, perda, fim –, 2) familiares – conjugalidade, maternidade/paternidade –, 3) sociais – emigração, interculturalidade, preconceitos, oportunidades – e, de forma transversal e coextensiva, 4) universais – abordando-se valores como a justiça ou a equidade que, indescritível, dura e friamente, alguns estão condenados a viver desconhecendo o significado. Efectivamente, naquela que apenas pretende ser uma enumeração de índole meramente pessoal, propõe-se a apresentação de questões exemplificativas das temáticas que a película convida a dissecar, nomeadamente: é-nos proposto que discirnamos em torno da extrema discrepância entre a vivência no Ocidente e no Oriente, não só no que respeita à carência deste último a um nível básico de instrumentalidade, como relativamente à ostentação de superioridade dos que naturalmente desfrutam da comodidade da primeira. Mais ainda, tendo em conta a intencionalidade subjacente à selecção e ao encadeamento dos factos, não deixa de ser curiosa a forma como a referida (e inquestionável?) evidência de progresso dos “ocidentais” se mostra oca e desamparada perante a desvalorização de dimensões humanas e altruístas dos mesmos em situação de dificuldade e descontrolo. Agiganta-se a discrepância sinalizada quando – e se - atentarmos na abertura e flexibilidade oferecida pelo “rotulado inimigo” no debate reflexivo e questionante acerca de hábitos e crenças – constituindo as diferentes concepções acerca do matrimónio e do relacionamento interpessoal um dos motes para debate – e dos valores da solidariedade e de entreajuda. Neste sentido, o filme parece ter o poder de nos apresentar a realidades que pensamos características de um passado longínquo, por um lado, e que dificilmente tomaríamos consciência, por outro, fazendo prova dos significados cultural e diferentemente atribuídos à vida – a título de exemplo: os filhos americanos cujo direito à segurança e protecção é inquestionável vs os filhos árabes incumbidos de proteger o ganha-pão da família acarretando armas e sujeitando-se às mais variadas dificuldades.). Paralelamente, são colocados em conflito as dimensões da legalidade e da relação, quando nos debatemos com a ameaça de penalizar a ingenuidade de um emigrante ilegal, igual em tudo aos outros (sejam eles quem forem) em necessidades, ambições e afectos. Acresce às temáticas apresentadas a abordagem do acto de comunicação, como anteriormente mencionado: não só no que respeita ao domínio de diferentes linguagens – dificultando e, por vezes, impossibilitando a transmissão das mensagens –, como abordando de forma audaz e sensível o universo daqueles que vivem incapacitados de se expressarem através da oralidade – não que isso seja impeditivo da comunicação aos seus olhos, mas no sentido em que, aos olhos dos "feliz-e-normalmente-dotados-da-capacidade-de-falar”, são diferentes e por isso “menores”. Desta forma, somos convidados a analisar atentamente e a reinventar a nossa interpretação do mundo e do que nos une enquanto meros e iguais habitantes deste, através de um ponto de partida que nos questiona brilhantemente, sem nunca cair na tentação populista da parcialidade e da divisão estagnada entre vítimas e vilões.

Não sou, propriamente, aquilo a que se pode chamar uma adepta dos filmes que apostam no paralelismo como abordagem e no desenvolvimento simultâneo de acontecimentos em diferentes contextos e /ou tempos, temendo (e, quase sempre, na minha opinião, confirmando) que nenhuma das acções seja explorada de forma conclusiva. No que a “Babel” diz respeito, sou obrigada a render-me às evidências uma vez que, mais do que conclusivo, este pretende constituir um estímulo no sentido de abalar e despertar consciências “civil” e confortavelmente acomodadas.

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8 Comments:

  • Oi!

    Nem que quisesse muito me lembraria de tantos pormenores e conseguiria os descrever tão bem... Parabéns! Aliás, eu sei que este blogue não é para comentar a qualidade da escrita, mas devo dizer que aprecio bastante o vosso jeito de escrever.

    Quanto ao filme, já disse que acho confuso mas faz pensar... e me identifico com a situação dos emigrantes. Já é dificil construir uma vida do zero quanto mais lutar com tanto obstáculo... Mas bola p'rá frente! Tem que ser...

    abraço

    By Anonymous Anónimo, at 4:02 da tarde  

  • ... o que pode despoletar a oferta de uma arma de fogo. Estória(s) do nosso tempo contada(s) com preocupações sociológicas e aí é um bom filme. Mas falta-lhe o "golpe d´asa" que distingue o bom cinema do óptimo cinema. Estive a ver o filme como se estivesse a ler um livro, cómodamente sentado numa esplanada, temperatura ambiente trinta graus e com uma bebida bem gelada ao lado. O cinema (para mim) quando se reclama de muito bom, tem de ser mais que isso. Tem me transportar "lá para dentro da tela". Não só no cinema; tudo o que se pretenda de arte.

    Sei que sou muito difícil de contentar. Mas não há nada a fazer...

    abraço e... parabéns pelo óptimo texto.

    By Blogger Alberto Oliveira, at 10:59 da manhã  

  • É, não está mal, mas...

    :)

    By Blogger Rui, at 6:40 da tarde  

  • Olá e obrigada a todos!

    De facto a perfeição está (quando está, e só pode estar) nos olhos de quem a vê... :)

    A mim o filme levou-me a viajar, a sentir, a pensar, a identificar-me, a revoltar-me...

    Acho que oferece pormenores geniais...

    Também acho (e tenho reparado nisso) que os filmes ganham dimensões diferentes consoante o que estamos (pessoalmente) a viver e as preocupações que, em cada momento, inquietam a calma e a sensibilidade de cada um...

    Considero, acima de tudo, que ter o poder de nos fazer falar sobre estes temas é, já de si, uma vitória!

    Um abraço...

    By Blogger Unknown, at 3:54 da tarde  

  • Eu acho que o filme está genial!
    Dos melhores mesmo...

    By Anonymous Anónimo, at 5:57 da tarde  

  • Olá, Lili!

    Obrigada pela tua participação. Sê benvinda!

    By Blogger Unknown, at 10:18 da manhã  

  • Bom Dia:

    Acabei de ver o filme e decidi visitar o vosso blog para ler o que vocês diziam sobre o filme. Sou um simples apreciador de cinema e como tal procurei nas vossas opiniões um eco daquilo que pensava sobre o filme, mas como creio não encontrar deixo aqui o meu comentário cuja singularidade pode ser construtiva. Eduardo Serra (o director de fotografia português que entre outros participou no recente "diamante de sangue") disse, numa recente entrevista à TSF que o essencial de um filme é o argumento, o responsável pelo sucesso/insucesso é o argumento. Não posso deixar de concordar com ele, não só pela minha ignorância técnica que me impede de analisar pormenores técnicos, mas também porque são as histórias/estórias que nos fazem ficar colados à cadeira (mesmo depois do filme acabar) ou levantarmos num ápice (durante ou no final do filme).
    Assim sendo, relativamente à Babel, achei extraodinário o facto de o filme ser falado em várias línguas e de se desenrolar em espaços culturais muito diversos. Ao mesmo tempo, foi extremamente curioso perceber os pontos de toque entre estas diferentes civilazões em situações extremas de sobrevivência. Do meu ponto de vista está extraodinário. Só não o considero perfeito porque começa a ser cliché demais o anti-americanismo. Não poderia ser de outra forma, até pela história de vida do realizador, contudo - pelo menos a mim - começa a cansar-me um pouco. Santiago decide conduzir podre de bebado, no final do casamento, e fugir à polícia colocando em risco a vida de duas crianças e da amável tia, contudo é um inocente e vitima da discriminação dos americanos perante os mexicanos...Richard, como forma de agradecer tudo o que o nativo fez por ele e pela mulher dá-lhe dinheiro, mas ele como bom oriental, como pessoa humilde e antagónica ao materialismo americano (terra onde todos e qualquer um se deixa corromper pelo dinheiro) não o aceita...os policias nativos enchem de porrada as duas familias marroquinas envolvidas na utilização da arma, mas a culpa volta a ser dos tolos dos americanos em inventarem o medo do terrorismo...Poderia dar muitos mais exemplos deste tipo de clichés que a mim já me começam a incomodar, as talvez seja eu que esteja mal... Mesmo assim adorei o filme - até porque não sou um pró-americano, no que diz respeito às suas políticas externas - e é daqueles que voltarei a ver com certeza. Já agora, cada vez fico mais impressionado com o Brad Pitt. Na minha humilde e leiga opinião ele é um senhor actor...

    Tiago Pinto

    By Blogger Tiago Pinto, at 10:51 da manhã  

  • Olá, Tiago!

    São sempre completos, complexos e divergentes os teus comentários... e é por isso que não abdico e não abdicarei de os ouvir e procurar!

    Obrigada pela tua participação. Esperamos que tenha valido a pena a tua visita ao nosso espaço e que tenha convidado a voltar!

    Um abraço

    By Blogger Unknown, at 5:21 da tarde  

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