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Cinéfilos Anónimos: The Piano - O Piano

Cinéfilos Anónimos

terça-feira, novembro 14, 2006

The Piano - O Piano

A história de “O piano” desenvolve-se em torno da adaptação de uma mulher inglesa, impossibilitada de comunicar através da oralidade, ao quotidiano das florestas da Nova Zelândia e à conjugalidade “negociada” por terceiros. Ada McGrath (Holly Hunter) vê-se obrigada a deixar a sua terra natal – Escócia – e depara-se com um “novo mundo” em muito diferente ao que as suas expectativas lhe permitiam, levando apenas consigo a sua filha e o seu confidente, intenso e expressivo piano. Chorando a perda deste último, inicialmente abandonado à praia e, posterior e caladamente, vendido ao vizinho Baines (Harvey Keitel) pelo seu marido, Ada parece travar uma luta entre o querer e o poder, consigo mesma e com os outros, entre “a sensibilidade e o bom senso”, decidida a recuperá-lo através da oferta de lições ao primeiro, segundo condições especiais por este estabelecidas.

Arriscar-me-ia a dizer que o filme ousa alcançar o nuclear sentido da vontade e da construção de significado acerca de “quem sou?” e de “o que quero?”.

Após a visualização do filme, encontro-me dispersa num novelo sinestésico, não estando certa de ter sido sensível à verdadeira (e/ou implícita?) mensagem que este urge transmitir – sinto confusa a informação que a minha percepção autorizou e considero complexa a tarefa de a integrar num significado próprio. Desta forma, penso que ensaiar uma via de compreensão apenas se torna possível através da redução (ou tentativa de) da informação às suas unidades básicas – privilegiarei a análise dos sentidos…

Através do olfacto, chega a fragrância pantanosa do desconhecido, o perfume estagnado da insegurança, o odor encardido a mofo advindo de trajes que transportam consigo (pre)conceitos e costumes de uma época ultrapassada, na qual o casamento era feito de papel e implicava uma série de clausulas unidireccionalmente estabelecidas.

A visão é-nos presenteada com paisagens densas, de beleza inigualável e, também elas, de significado premente mas, por vezes, indecifrável – talvez eleja (sem ter a presunção de ter esse direito), como as mais marcantes, a imagem da chegada das duas protagonistas à ilha, tendo o acolhimento da natureza (para elas, mãe e madrasta) ou a fotografia do piano desprotegido na praia visto das montanhas. Acresce-se, ainda, a capacidade, raramente encontrada, de imagetizar metáforas (comparando, a título de exemplo, a confusão de sentimentos da protagonista, o emaranhado de cabelos num penteado rígido e apertado e a densidade da floresta) a partir de sucessões bem encadeadas.

Presenteando os ouvidos e a alma, a banda sonora da película – de autoria de Michael Nyman - parece-me incriticável, intocável e indubitavelmente bela. Transmite, peremptória e sensivelmente, a unidade entre Ada e a sua música, o seu piano… este que se apresenta como meio de comunicação e fim para as suas emoções, preocupações e receios. Reflectindo uma expressão de Morag (interpretada por Kerry Walker), embora infirmando o sentido que esta lhe atribui, a música que a obra nos oferece “passa-nos pelo corpo”, sendo impossível ficar-lhe indiferente, não se deixar tocar pela sua sensibilidade…

O tacto deixa perceber nesta obra, um tratado de violência aos mais variados níveis. Se fossem nomeáveis, talvez nos encontremos perante a violência da privação/separação – materializada pela ansiedade que causa a separação (ou mesmo da antevisão desta) da protagonista e do seu piano, compensada pelo toque (através de fendas resultadas da viagem) das teclas-, a violência do confronto – psicológico e físico, entre contextos, entre costumes, entre vontades; um confronto que quer transformar, que dita e obriga –, a violência do questionamento – essencialmente pessoal, de compreensão do que se pensa e do que se pensa pensar –, a violência do contacto – parece tão simples, mas o simples facto de se assistir a um acto de violência, de o sentir e reflectir, pode abrir uma cicatriz nunca passível de fechar – e, por fim (será?) a violência multidireccionada – se atentarmos que chega a ser violentamente invasivo o visionamento da obra na medida em que inquieta e transforma o espectador.

Quanto ao paladar, tento concentrar-me e ouso afirmar que o filme tem o sabor salgado a mar, sacia através da música… mas “sabe a pouco” pela complexidade que lhe subjaz.

Aproximando-se o final de uma reflexão irreversível e meramente pessoal, merecem ainda referência as performances da actriz principal – Holly Hunter – e da pequena grande menina Anna Paquin, galardoadas pela academia pelo desempenho destes papéis. Quanto à protagonista e veículo desta “sinestesia” de que vos falo, é notável a sua capacidade de expressão não verbal – quase parecendo que a sua voz “não faz falta” –, não podendo eu deixar de enaltecer a(s) forma(s) alternativas das quais faz uso para transmitir igual ou mais aprofundadamente a mensagem que representa. No que diz respeito à segunda citada, o Óscar fala por si, reconhecendo a qualidade e o nível do seu trabalho. Relembrando (com um toque de humor) o momento no qual recebeu o galardão e, como não podia deixar de ser, corroborando a validade da atribuição, deixo-vos com a reacção de Anna Paquin


2 Comments:

  • Porque reli e me fez lembrar...

    "Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir. Sentir tudo de todas as maneiras. Sentir tudo excessivamente, porque todas as coisas são, em verdade, excessivas; e toda a realidade é um excesso, uma violência, uma alucinação extraordinariamente nítida que vivemos em comum com a fúria das almas, o centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos (...)"

    (Álvaro de Campos)


    ... e porque o autor se exprime incomparável e indubitavelmente melhor do que eu!

    By Blogger Unknown, at 10:27 da tarde  

  • Sem sombra de dúvidas um bom filme para ver nesta época. Aconselho!

    Até porque, para muitos, o Natal é mudo (mesmo que haja tanto para dizer...).

    By Anonymous Anónimo, at 11:18 da manhã  

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