Corpse Bride - Artigo Crítico
CORPSE BRIDE
Ano: 2005
País: Reino Unido
Género: Animação Fantástico Comédia
Realizador: Tim Burton/ Mike Johnson
Cast: Johnny; Depp Helena Bonham Carter; Emily Watson; Albert Finney; Christopher Lee
Site Oficial: http://www.corpsebridemovie.com/
Deve-se, naturalmente, iniciar por dizer que “A Noiva Cadáver” é o novo filme do génio Tim Burton, em que, desde o “Estranho Mundo de Jack” (1993) e “James and The Giant Peach” (1996), este torna a apostar na já por muitos esquecida técnica de Stop-Motion, da qual o conceituado realizador é pai fundador – e é a partir desta pequena informação que o filme deixa de requerer demais apresentações. Assim, classificado como um filme de animação musical, confronta, como é já seu apanágio e mais uma vez, a sua percepção e visão da morte, distorcida e bizarramente vibrante, deitando por terra todas as ideias pré-concebidas, cultural e milenarmente associadas.
Num ano de falhanços dos blockbusters oficiais, a acusar a falta de um filme popular e mainstream para manter o equilíbrio e tradição hipócrita das Academias, Globos e companhia – à excepção do King Kong de Peter Jackson, embora mesmo este com uma estreia bem modesta nas bilheteiras -, quando já todos daríamos o ano de 2005 como concluído em termos cinematográficos, com uma réstia de desilusão no olhar, eis que nos chega, das mãos de um realizador cuja reputação em Hollywood já viu melhores dias, uma razão para sorrir.
Polémicas aparte, voltando ao motivo por que escrevo hoje, passo à explanação dos motivos por que se faz revestir Corpse Bride, para ser considerado, no meu ponto de vista, o melhor filme de animação do ano. E, tal é a qualidade do mesmo, que arrisco mesmo a expandir o conceito a todas as longas-metragens que passaram pelas nossas salas de cinema o ano transacto.
Mais uma vez, o génio Tim Burton surpreende, superando-se de forma personalizada e mágica, como, aliás, se tem vindo a repetir ao longo das suas obras - que compõe a carreira de um génio, que fala por si, e as ideias de um excêntrico para quem, devido às suas origens, a morte não é um tabu. Embora não seja tão reconhecido quanto devia, surge-nos como uma figura que muito fez pelo cinema actual, praticando um estilo inovador e renovando, de obra para obra, a sua condição de um dos melhores realizadores de sempre.
Como já afirmado, a Morte é um tema recorrente na sua obra, embora a aborde nos seus filmes não numa perspectiva necrófila – que é a dedução imediata, quando se afirma que nos seus filmes pratica um certo culto à morte -, mas numa visão humorística e cáustica, resumida, em duas palavras, como politicamente incorrecta. Corpse Bride é mais um exemplo em que o faz com especial mestria.
Mas passando da esfera geral, para a particularidade da obra que me propus analisar, como a sinopse nos conta, os acontecimentos deste filme têm lugar numa cidade europeia victoriana com todos os elementos figurativos do século XIX, e rodam em volta de um jovem de nome Viktor (Jonhy Depp), filho de um casal de burgueses, que é obrigado a casar com Viktoria, membro de uma família da Nobreza falida – os primeiros citados vêem este casamento como uma forma de ascenderem à mais alta sociedade, e os segundos, como o restituir da sua condição económica que, imerecidamente, lhes fora retirada pelo ditar da crise depressionária vivida pelos nobres do referido século.
Como qualquer história com semelhantes premissas, os dois jovens prometidos, por não se conhecerem, experimentam receio do casamento, por este ter sido arranjado e se basear em interesses. Porém, e apesar de, quando se vêem pela primeira vez, a empatia ter sido imediata, a verdade é que o medo do comprometimento persiste, e, aquando dos ensaios para a cerimónia matrimonial, Viktor – já de si, um rapaz desastrado -, não consegue proferir correctamente os votos de casamento, envergonhando todos os presentes. Assim, com o intuito de se acalmar, segue vagueando para uma floresta, onde acaba por prometer amor eterno por engano a um cadáver, de seu nome Emily (Helena Bonham Carter), quando praticava o colocar da aliança no que ele achava não ser mais que um pequeno ramo de uma árvore. Desta forma, desperta a Noiva Cadáver, o jovem vê-se transportado para um mundo subterrâneo povoados pelos mortos, onde deve desposar a cadavérica Emily, que não deixa cair as promessas em saco roto. Enquanto introduzido ao sub-mundo, a noiva real, a doce e frágil Viktoria, espera por ele no mundo dos vivos.
Desta forma, assistimos a 76 minutos de pura magia, um desfilar de personagens representativas de tipos sociais, e em que o trio amoroso que se forma inicialmente experimenta um desenvolvimento de aprendizagem no sentido que o amor verdadeiro não tem fronteiras, e em que todos os obstáculos são transponíveis, mesmo os da própria morte.
E ainda que a sinopse possa parecer um tanto infantil ou demasiadamente bizarra, posso dizer-vos que é muito redutora de tudo que é o filme – ou não seria uma sinopse, na verdade -, sendo que a história narrada é de uma beleza extrema e embora se passe, em parte, num mundo inexistente e que, à partida, apela ao nosso espírito mais reticente – circunstância esta para a qual contribui a má escolha do título, de que falarei posteriormente - é muito real e completamente “transportável” para os nossos dias. Arrisco mesmo a afirmar, que é passível de se nos apresentar como uma verdadeira lição de Vida. E é impossível, até para a pessoa mais céptica, mais cinzenta e menos imaginativa, conter um sorriso ou mesmo uma lágrima ao longo do filme – e acreditem que não exagero quando digo que arrepiar de comoção, ao longo da película, não é raro, além de que temos oportunidade de assistir a alguns dos melhores momentos de cinema dos últimos anos.
Porém, mesmo numa história de amor verdadeiro, Tim Burton não prescinde do tom cáustico e satírico que são já seu apanágio e elemento sempre presente e indiscutível nos seus filmes. Assim, Noiva Cadáver apresenta-se como sendo, simultaneamente, um filme extremamente divertido, mas muito complexo; bem-humorado mas sério e comovente. Como essencial exemplo desta confrontação Humor vs Melancolia, são uma constante as piadas em relação à temática da Morte, que nos surgem como forma de a desmistificar, apesar do facto de que somos, ao longo do filme, levados a discernir seriamente em relação a este tema no que concerne as relações humanas e pensar até que ponto o findar da vida marca também o perecer dos sentimentos.
Além disso, é ainda de referir, no que toca história, que se mantém fiel ao período histórico em que se passa (meados do séc. XIX), o que não deixa de ser interessante verificar-se em alguns pormenores nesse sentido – como a esfera de hipocrisia na relação das duas famílias, personificada pelo desdém e repugnância da nobreza pelos chamados Novos-Ricos; e também pela carácter ingénuo e popular dos burgueses, quando se lhes é oferecida a possibilidade de ascenderem á alta nobreza, objecto da sua ambição, não escondendo as suas origens modestas.
Ainda neste campo, para quem viu outra das obras de Tim Burton, Nightmare Before Christmas (que é, também, indiscutivelmente, uma obra-prima, cuja sinopse se distancia em muito da de Noiva Cadáver, embora apresente temáticas semelhantes, em alguns pontos), que usa a mesma técnica de Stop Motion, são inevitáveis as comparações – Corpse Bride surge-nos, assim, como um filme muito mais comercial, isto é, mais universal e mais fácil de o público se identificar e gostar do que o primeiro citado, quanto mais não seja, porque narra, essencial e centralmente, uma história de amor… um tanto atípica, é verdade, mas de amor. Neste aspecto, creio que A Noiva Cadáver é um filme recomendado a todas as faixas etárias – embora os mais novos terão dificuldade em desfrutar do argumento em toda a sua plenitude, por falta da maturidade necessária -, abrangência e versatilidade estas que podem ser postas em causa, pelo título exageradamente sombrio, que apontaria – ao espectador mais desatento, casual e desinformado -, que se trataria de um filme de terror, o que não poderia estar mais longe da verdade. Aliás, a pouca inteligência e planeamento de marketing demonstrados na escolha do título surge-nos como um dos escassíssimos pontos negativos deste filme, o que não deixa de ser, paradoxalmente, um excelente apontamento da qualidade da longa-metragem.
Nos aspectos técnicos, visualmente, o filme está um espanto, com a técnica de Stop Motion a ser levada á sua plenitude de qualidade – o que encerra muito mérito, pois trata-se de uma técnica em crescente esquecimento, pelo trabalho exagerado que requer, pois é, naturalmente, filmada com marionetas detalhadas, “frame-by-frame”, isto é, trocado por miúdos, segundo a segundo. Uma das dificuldades apontadas desta técnica é mesmo a de passar a expressão e emoção para marionetas inanimadas, e dar-lhe o ar humano, em maquetes e cenários minuciosamente construídos: e posso afirmar que também neste aspecto, o filme é uma verdadeira obra de arte, cumprindo, em perfeição, o seu intuito. E é, assim, merecedor de todos e quaisquer elogios.
De referir, são os contrastes de cor que surgem em A Noiva Cadáver, que tomam especial importância e amplitude na ideia permanente de confrontação e paralelismo entre o Mundo dos Mortos e o dos Vivos. Já, em muitos filmes, vários realizadores se propuseram a idealizar e efectivar o mundo do Além, em perspectivas mais optimistas ou pessimistas, mas é de duvidar que algum deles se tivesse lembrado de, ao contrário do que as nossas concepções clássicas nos deixaria imaginar, nas hipóteses mais últimas e improváveis, que o primeiro nos surgisse muito mais colorido e divertido, em permanente festa e animação, opondo-se ao “cinzentismo” do mundo dos vivos – também neste aspecto, o humor cáustico e politicamente incorrecto, já referido, contribui grandemente, quer por “gags” visuais ou verbais.
Por fim, falando da sonoplastia, - e porque não nos podemos esquecer, que mais do que um romance e comédia, se trata de um filme de animação musical -, outro grande génio volta a surpreender, e o quase igualmente gigante Danny Elfman torna a presentear-nos com uma banda sonora espectacular. Adaptando-se que nem uma luva ao ambiente do filme, ajuda a recriá-lo de uma forma muito mais interessante e mágica.
Particularmente, os quatro temas cantados, interpretados pelo elenco de vozes do filme, e ainda as músicas exclusivamente instrumentais, que abrangem os mais variados estilos musicais, que passam desde a música orquestral, clássica (componente muito enfatizada nas sequências de piano), ao jazz, que toma peculiar presença nas sequências associadas à animação no mundo dos Mortos. Danny Elfman é, também, uma figura que conquistou um lugar de responsável pelas bandas sonoras de quase todos os filmes de Tim Burton, sendo, igualmente, evidente a cumplicidade e os bons resultados destas colaborações – tanto para Danny Elfman, que saiu do anonimato com a aposta que o realizador fez nele, para se tornar nos músicos de maior prestígio no cinema actual, como para Burton, cujos filmes ficam a ganhar com a extrema dedicação e criatividade do compositor.
De destacar ainda, é a disposição das pistas no respectivo disco da banda sonora que mantém a sequência apresentada no filme, sendo fiel à sua cronologia. Este facto permite-nos afirmar que, com os pontuais excertos de diálogo, se nos apresenta como uma espécie de Filme Sonoro, que possibilita, àqueles que viram o filme, reviver todos os seus momentos, e àqueles que não o tenham ainda feito, desfrutá-lo sem necessitar de uma narrativa de suporte. Ainda no domínio de som, refiro ainda a excelente elenco escolhido para a interpretação e empréstimo das vozes ás personagens, que, sendo já de si riquíssimas em carisma, sentimentos e emoções, ainda tomam mais expressão quando associadas a actores e actrizes talentosos e de reconhecimento irrefutável. Assim, para além dos citados Jonhy Depp e Helena Bonham Cárter, respectivamente, nos papéis de Viktor e Emily, é ainda de destacar a presença de Emily Watson encarnando Viktoria, entre outros, como Albert Finney, Richard Grant, Joanna Lumley e Christopher Lee.
Em conclusão, creio tratar-se de um filme de extrema qualidade, que espelha muito bem o extremo talento de um realizador adorado por muitos, odiado por tantos outros, que alcançou o seu “lugar ao sol” no mundo dos que terão sempre lugar na nossa memória. Tendo provado ser um dos melhores realizadores de cinema de todos os tempos, e uma prova de que não temos que nos seguir sempre pelo padrão para encontrarmos o sucesso, Tim Burton personifica o valor da diferença de forma exímia, e isso lhe vale – bem ao estilo da cultura literária portuguesa, como uma associação bizarra -, “que se vá da lei da morte libertando”! Noiva Cadáver – Corpse Bride, por terras distantes -, surge-nos como um filme recomendadíssimo, abrangendo todas as faixas etárias, sendo que o único requisito para se ficar a adorar o filme, é o de possuir o poder de respirar… e daí, mais uma vez numa analogia um tanto tétrica, talvez não…
Num ano de falhanços dos blockbusters oficiais, a acusar a falta de um filme popular e mainstream para manter o equilíbrio e tradição hipócrita das Academias, Globos e companhia – à excepção do King Kong de Peter Jackson, embora mesmo este com uma estreia bem modesta nas bilheteiras -, quando já todos daríamos o ano de 2005 como concluído em termos cinematográficos, com uma réstia de desilusão no olhar, eis que nos chega, das mãos de um realizador cuja reputação em Hollywood já viu melhores dias, uma razão para sorrir.
Polémicas aparte, voltando ao motivo por que escrevo hoje, passo à explanação dos motivos por que se faz revestir Corpse Bride, para ser considerado, no meu ponto de vista, o melhor filme de animação do ano. E, tal é a qualidade do mesmo, que arrisco mesmo a expandir o conceito a todas as longas-metragens que passaram pelas nossas salas de cinema o ano transacto.
Mais uma vez, o génio Tim Burton surpreende, superando-se de forma personalizada e mágica, como, aliás, se tem vindo a repetir ao longo das suas obras - que compõe a carreira de um génio, que fala por si, e as ideias de um excêntrico para quem, devido às suas origens, a morte não é um tabu. Embora não seja tão reconhecido quanto devia, surge-nos como uma figura que muito fez pelo cinema actual, praticando um estilo inovador e renovando, de obra para obra, a sua condição de um dos melhores realizadores de sempre.
Como já afirmado, a Morte é um tema recorrente na sua obra, embora a aborde nos seus filmes não numa perspectiva necrófila – que é a dedução imediata, quando se afirma que nos seus filmes pratica um certo culto à morte -, mas numa visão humorística e cáustica, resumida, em duas palavras, como politicamente incorrecta. Corpse Bride é mais um exemplo em que o faz com especial mestria.
Mas passando da esfera geral, para a particularidade da obra que me propus analisar, como a sinopse nos conta, os acontecimentos deste filme têm lugar numa cidade europeia victoriana com todos os elementos figurativos do século XIX, e rodam em volta de um jovem de nome Viktor (Jonhy Depp), filho de um casal de burgueses, que é obrigado a casar com Viktoria, membro de uma família da Nobreza falida – os primeiros citados vêem este casamento como uma forma de ascenderem à mais alta sociedade, e os segundos, como o restituir da sua condição económica que, imerecidamente, lhes fora retirada pelo ditar da crise depressionária vivida pelos nobres do referido século.
Como qualquer história com semelhantes premissas, os dois jovens prometidos, por não se conhecerem, experimentam receio do casamento, por este ter sido arranjado e se basear em interesses. Porém, e apesar de, quando se vêem pela primeira vez, a empatia ter sido imediata, a verdade é que o medo do comprometimento persiste, e, aquando dos ensaios para a cerimónia matrimonial, Viktor – já de si, um rapaz desastrado -, não consegue proferir correctamente os votos de casamento, envergonhando todos os presentes. Assim, com o intuito de se acalmar, segue vagueando para uma floresta, onde acaba por prometer amor eterno por engano a um cadáver, de seu nome Emily (Helena Bonham Carter), quando praticava o colocar da aliança no que ele achava não ser mais que um pequeno ramo de uma árvore. Desta forma, desperta a Noiva Cadáver, o jovem vê-se transportado para um mundo subterrâneo povoados pelos mortos, onde deve desposar a cadavérica Emily, que não deixa cair as promessas em saco roto. Enquanto introduzido ao sub-mundo, a noiva real, a doce e frágil Viktoria, espera por ele no mundo dos vivos.
Desta forma, assistimos a 76 minutos de pura magia, um desfilar de personagens representativas de tipos sociais, e em que o trio amoroso que se forma inicialmente experimenta um desenvolvimento de aprendizagem no sentido que o amor verdadeiro não tem fronteiras, e em que todos os obstáculos são transponíveis, mesmo os da própria morte.
E ainda que a sinopse possa parecer um tanto infantil ou demasiadamente bizarra, posso dizer-vos que é muito redutora de tudo que é o filme – ou não seria uma sinopse, na verdade -, sendo que a história narrada é de uma beleza extrema e embora se passe, em parte, num mundo inexistente e que, à partida, apela ao nosso espírito mais reticente – circunstância esta para a qual contribui a má escolha do título, de que falarei posteriormente - é muito real e completamente “transportável” para os nossos dias. Arrisco mesmo a afirmar, que é passível de se nos apresentar como uma verdadeira lição de Vida. E é impossível, até para a pessoa mais céptica, mais cinzenta e menos imaginativa, conter um sorriso ou mesmo uma lágrima ao longo do filme – e acreditem que não exagero quando digo que arrepiar de comoção, ao longo da película, não é raro, além de que temos oportunidade de assistir a alguns dos melhores momentos de cinema dos últimos anos.
Porém, mesmo numa história de amor verdadeiro, Tim Burton não prescinde do tom cáustico e satírico que são já seu apanágio e elemento sempre presente e indiscutível nos seus filmes. Assim, Noiva Cadáver apresenta-se como sendo, simultaneamente, um filme extremamente divertido, mas muito complexo; bem-humorado mas sério e comovente. Como essencial exemplo desta confrontação Humor vs Melancolia, são uma constante as piadas em relação à temática da Morte, que nos surgem como forma de a desmistificar, apesar do facto de que somos, ao longo do filme, levados a discernir seriamente em relação a este tema no que concerne as relações humanas e pensar até que ponto o findar da vida marca também o perecer dos sentimentos.
Além disso, é ainda de referir, no que toca história, que se mantém fiel ao período histórico em que se passa (meados do séc. XIX), o que não deixa de ser interessante verificar-se em alguns pormenores nesse sentido – como a esfera de hipocrisia na relação das duas famílias, personificada pelo desdém e repugnância da nobreza pelos chamados Novos-Ricos; e também pela carácter ingénuo e popular dos burgueses, quando se lhes é oferecida a possibilidade de ascenderem á alta nobreza, objecto da sua ambição, não escondendo as suas origens modestas.
Ainda neste campo, para quem viu outra das obras de Tim Burton, Nightmare Before Christmas (que é, também, indiscutivelmente, uma obra-prima, cuja sinopse se distancia em muito da de Noiva Cadáver, embora apresente temáticas semelhantes, em alguns pontos), que usa a mesma técnica de Stop Motion, são inevitáveis as comparações – Corpse Bride surge-nos, assim, como um filme muito mais comercial, isto é, mais universal e mais fácil de o público se identificar e gostar do que o primeiro citado, quanto mais não seja, porque narra, essencial e centralmente, uma história de amor… um tanto atípica, é verdade, mas de amor. Neste aspecto, creio que A Noiva Cadáver é um filme recomendado a todas as faixas etárias – embora os mais novos terão dificuldade em desfrutar do argumento em toda a sua plenitude, por falta da maturidade necessária -, abrangência e versatilidade estas que podem ser postas em causa, pelo título exageradamente sombrio, que apontaria – ao espectador mais desatento, casual e desinformado -, que se trataria de um filme de terror, o que não poderia estar mais longe da verdade. Aliás, a pouca inteligência e planeamento de marketing demonstrados na escolha do título surge-nos como um dos escassíssimos pontos negativos deste filme, o que não deixa de ser, paradoxalmente, um excelente apontamento da qualidade da longa-metragem.
Nos aspectos técnicos, visualmente, o filme está um espanto, com a técnica de Stop Motion a ser levada á sua plenitude de qualidade – o que encerra muito mérito, pois trata-se de uma técnica em crescente esquecimento, pelo trabalho exagerado que requer, pois é, naturalmente, filmada com marionetas detalhadas, “frame-by-frame”, isto é, trocado por miúdos, segundo a segundo. Uma das dificuldades apontadas desta técnica é mesmo a de passar a expressão e emoção para marionetas inanimadas, e dar-lhe o ar humano, em maquetes e cenários minuciosamente construídos: e posso afirmar que também neste aspecto, o filme é uma verdadeira obra de arte, cumprindo, em perfeição, o seu intuito. E é, assim, merecedor de todos e quaisquer elogios.
De referir, são os contrastes de cor que surgem em A Noiva Cadáver, que tomam especial importância e amplitude na ideia permanente de confrontação e paralelismo entre o Mundo dos Mortos e o dos Vivos. Já, em muitos filmes, vários realizadores se propuseram a idealizar e efectivar o mundo do Além, em perspectivas mais optimistas ou pessimistas, mas é de duvidar que algum deles se tivesse lembrado de, ao contrário do que as nossas concepções clássicas nos deixaria imaginar, nas hipóteses mais últimas e improváveis, que o primeiro nos surgisse muito mais colorido e divertido, em permanente festa e animação, opondo-se ao “cinzentismo” do mundo dos vivos – também neste aspecto, o humor cáustico e politicamente incorrecto, já referido, contribui grandemente, quer por “gags” visuais ou verbais.
Por fim, falando da sonoplastia, - e porque não nos podemos esquecer, que mais do que um romance e comédia, se trata de um filme de animação musical -, outro grande génio volta a surpreender, e o quase igualmente gigante Danny Elfman torna a presentear-nos com uma banda sonora espectacular. Adaptando-se que nem uma luva ao ambiente do filme, ajuda a recriá-lo de uma forma muito mais interessante e mágica.
Particularmente, os quatro temas cantados, interpretados pelo elenco de vozes do filme, e ainda as músicas exclusivamente instrumentais, que abrangem os mais variados estilos musicais, que passam desde a música orquestral, clássica (componente muito enfatizada nas sequências de piano), ao jazz, que toma peculiar presença nas sequências associadas à animação no mundo dos Mortos. Danny Elfman é, também, uma figura que conquistou um lugar de responsável pelas bandas sonoras de quase todos os filmes de Tim Burton, sendo, igualmente, evidente a cumplicidade e os bons resultados destas colaborações – tanto para Danny Elfman, que saiu do anonimato com a aposta que o realizador fez nele, para se tornar nos músicos de maior prestígio no cinema actual, como para Burton, cujos filmes ficam a ganhar com a extrema dedicação e criatividade do compositor.
De destacar ainda, é a disposição das pistas no respectivo disco da banda sonora que mantém a sequência apresentada no filme, sendo fiel à sua cronologia. Este facto permite-nos afirmar que, com os pontuais excertos de diálogo, se nos apresenta como uma espécie de Filme Sonoro, que possibilita, àqueles que viram o filme, reviver todos os seus momentos, e àqueles que não o tenham ainda feito, desfrutá-lo sem necessitar de uma narrativa de suporte. Ainda no domínio de som, refiro ainda a excelente elenco escolhido para a interpretação e empréstimo das vozes ás personagens, que, sendo já de si riquíssimas em carisma, sentimentos e emoções, ainda tomam mais expressão quando associadas a actores e actrizes talentosos e de reconhecimento irrefutável. Assim, para além dos citados Jonhy Depp e Helena Bonham Cárter, respectivamente, nos papéis de Viktor e Emily, é ainda de destacar a presença de Emily Watson encarnando Viktoria, entre outros, como Albert Finney, Richard Grant, Joanna Lumley e Christopher Lee.
Em conclusão, creio tratar-se de um filme de extrema qualidade, que espelha muito bem o extremo talento de um realizador adorado por muitos, odiado por tantos outros, que alcançou o seu “lugar ao sol” no mundo dos que terão sempre lugar na nossa memória. Tendo provado ser um dos melhores realizadores de cinema de todos os tempos, e uma prova de que não temos que nos seguir sempre pelo padrão para encontrarmos o sucesso, Tim Burton personifica o valor da diferença de forma exímia, e isso lhe vale – bem ao estilo da cultura literária portuguesa, como uma associação bizarra -, “que se vá da lei da morte libertando”! Noiva Cadáver – Corpse Bride, por terras distantes -, surge-nos como um filme recomendadíssimo, abrangendo todas as faixas etárias, sendo que o único requisito para se ficar a adorar o filme, é o de possuir o poder de respirar… e daí, mais uma vez numa analogia um tanto tétrica, talvez não…
1 Comments:
Imperdível.
Uma obra prima do cinema de animação mas não só!!!!!
By Anónimo, at 10:56 da tarde
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